Por Marco Gonzalez
Modelo 3D de um Trilobita Hydrocephalus do Cambriano em exposição no Museu Estoniano de História Natural, em Talin, Estônia.
Estes artrópodes marinhos extintos, icônicos do Paleozoico,
prosperaram em uma grande variedade de habitats desde a Explosão Cambriana até a extinção em massa do final do Permiano. Em grande escala ecológica, o clima foi provavelmente o mais importante impulsionador de sua evolução devido a diferenças climáticas desde as proximidades dos trópicos até elevadas latitudes, tanto em ambientes de aguas rasas quanto profundas [Fortey, 2014].
(Crédito da imagem: Vladislav Egorov).
O éon Fanerozoico tem nome formado pela junção grega do prefixo "phanero" ("visível, manifesto") com o substantivo "zoe" ("vida"), com motivação na abundância de evidências de vida preservadas em suas rochas. Foi batizado em 1930 pelo geólogo e zoólogo norte-americano George Halcott Chadwick (1876–1953) [Harland et al, 1989; etymonline, 2020; SCE, 2025].
Uma história climática da Terra no Paleozoico dá uma visão geral do clima e de suas interações com a geologia e a biologia entre ~539 milhões e ~252 milhões de anos atrás. Esta etapa da existência do nosso planeta durou ~287 milhões de anos, constituindo-se na mais duradora e mais antiga era do éon Fanerozoico.
3.1. Introdução
O éon Fanerozoico tem nome formado pela junção grega do prefixo "phanero" ("visível, manifesto") com o substantivo "zoe" ("vida"), com motivação na abundância de evidências de vida preservadas em suas rochas. Foi batizado em 1930 pelo geólogo e zoólogo norte-americano George Halcott Chadwick (1876–1953) [Harland et al, 1989; etymonline, 2020; SCE, 2025].
O Paleozoico, a era inicial do Fanerozoico, é caracterizado pelos primeiros registros de formas modernas de vida, quando, no início, diversificaram-se e, ao final, sofreram grande extinção em massa. Seu nome é formado pela junção grega do prefixo "paleo" ("antigo") com o substantivo "zoe" ("vida"), sendo chamado assim pela primeira vez pelo geólogo e paleontólogo britânico Adam Sedgwick (1785-1873) [Harland et al, 1989; Roberts, 2009; etymonline, 2019; Wu et al, 2023]. É subdividido nos seguintes períodos:
- Cambriano, período em que muitos invertebrados e os primeiros vertebrados (peixes) apareceram no registro fóssil. Seu nome vem de "Cambria", variante de "Cumbria", derivação latinizada de "Cymry", apelido que os galeses deram a si próprios, com origem no antigo celta "Combroges" ("patriotas"). Foi batizado em 1835 por Sedgwick ao estudar rochas do Paleozoico na região de antigas tribos galesas, em Cumberland, no País de Gales [etymonline, 2022; NPS, 2025].
- Ordoviciano, concebido e nomeado em 1879 pelo geólogo inglês Charles Lapworth (1842-1920) para encerrar uma controvérsia de 40 anos entre ele e Sedgwick, eliminando uma sobreposição entre o Cambriano e o Siluriano. Seu nome foi inspirado na tribo galesa "Ordovices", que tem origem no inglês "oardevi" ("sobre os rios de Devi") [Lapworth, 1879; etymonline, 2019; NPS, 2023].
- Siluriano, que marcou o encerramento de um padrão anterior de flutuações climáticas, foi batizado pelo geólogo escocês Roderick Impey Murchison (1792-1871) em homenagem à tribo galesa dos "silures", situada na região onde ele descreveu pela primeira vez rochas deste período no sudeste do País de Gales [etymonline, 2022; NPS, 2023; NPS, 2025].
- Devoniano, período com climas continentais quentes e secos, sendo às vezes chamado de "era dos peixes" (pela abundância e diversidade). Tem nome derivado do condado inglês de Devon, proposto por Sedgwick e Murchison em 1839 fazendo referência a rochas marinhas do sudoeste da Inglaterra [Bagley, 2014; NPS, 2023; House, 2024].
- Carbonífero, também chamado de "era dos anfíbios", tem nome formado pela junção latina do substantivo "carbo" ("carvão") com o sufixo "ferous" ("produzindo, contendo, suportando"). Foi cunhado em 1822 pelo geólogo e paleontólogo inglês William Daniel Conybeare (1787-1857) e pelo mineralogista e geólogo inglês William Phillips (1775-1828) fazendo referência a rochas portadoras de grandes jazidas de carvão [Conybeare e Phillips, 1822; Waggoner et al, 1996; etymonline, 2022; Singtuen et al, 2025].
- Permiano, que registra a maior extinção em massa da vida na história da Terra e também o surgimento do supercontinente Pangeia, foi nomeado por Murchison fazendo referência a rochas da região de Perm, no noroeste da Rússia [Alexander et al, 1998; etymonline, 2020; NPS, 2023].
Tabela cronoestratigráfica do Paleozoico.
(Baseada em: ICS)
No Paleozoico, temperatura, oxigênio e dióxido de carbono começaram a se aproximar dos valores atuais. Como consequência, o clima ficou mais ameno favorecendo a ocorrência de eventos de biodiversidade [Hearing et al, 2018]. Por outro lado, aconteceram também três glaciações e três extinções em massa enquanto a deriva continental seguia seu rumo afetando a dinâmica da atmosfera e a circulação dos oceanos [Stevens, 2011; Barbuzano, 2019]. No Paleozoico, foi desenhada a configuração dos seguintes supercontinentes que carregavam as origens das atuais regiões da Terra [Torsvik e Cocks, 2004]:
- Gondwana,
- que incluía América do Sul, África, Índia peninsular, Antártida e Austrália, entre outras regiões,
- Laurentia,
- que compreendia a maior parte da América do Norte, a Península de Chukot da Sibéria, Groenlândia, Spitsbergen (uma ilha do Ártico) e as Ilhas Britânicas do Noroeste,
- Avalônia,
- que englobava partes do leste da América do Norte e parte do Noroeste da Europa, e
- Báltica,
- que correspondia ao norte da Europa a leste dos Urais (cordilheira da Rússia).
Laurentia, Avalônia e Báltica se juntaram na Orogenia Caledoniana
antes de 400 milhões de anos atrás para formar o Laurússia [Torsvik e Cocks, 2004] que:
- incluía América do Norte, norte da Europa e outras regiões fundidas ao longo das suturas caledonianas e
- foi ampliado para formar o Laurásia na Orogenia Uraliana entre 300 milhões e 250 milhões de anos atrás.
O Laurússia recebeu outros nomes, como Old Red (em homenagem aos Old Red Sandstones formados nele), Atlântida do Norte, Laureuropa e Euroamérica [Long, 1993]. A movimentação de todos (Gondwana e Laurásia – anteriormente Laurússia incluindo Laurentia, Avalônia e Báltica) tinha um só destino: a fusão, no final do Permiano, que formaria o supercontinente Pangeia [Torsvik e Cocks, 2004; Stampfli et al 2013].
Eventos climáticos, geológicos e biológicos do Paleozoico.
Evolução da vida a...o: descrições na tabela que pode ser visualizada a seguir.
Extinções em massa (⁂) do Ordoviciano-Siluriano [Finnegan et al, 2012], do Devoniano [Mack, 2021] e do Permiano-Triássico [Cui e Kump, 2015].
Curva clássica (Famílias) da diversidade de Sepkoski de famílias de invertebrados marinhos [Servais et al, 2009; Sepkoski Jr., 2016].
Organismos marinhos (Mar), Anfíbios (Anf) [Strauss, 2019] e Répteis (Rep) [Keighley et al, 2008; Strauss, 2019].
Deriva Continental: Gondwana (G), Laurásia ou Laurússia (L) e Pangeia (P) [Torsvik e Cocks, 2004; Klootwijk, 2010; Algol, 2016; Scotese, 2016; Doppel, 2024].
Formação de Old Red Sandstones (ORS) [Kendall, 2017].
Formação de depósitos de carvão (Carvão) [Walker, 2000].
Avanços em latitude de detritos transportados pelo gelo (DTG) [Shaviv e Veizer, 2003] nas glaciações Andino-Saariana (A) [Page et al, 2007], do Devoniano superior (D) [Isaacson et al, 2008] e Karoo (K) [Montañez e Poulsen, 2013].
Curvas da luminosidade do Sol [Ramstein et al, 2019], do ciclo dia-noite [Arbab, 2003], da temperatura [Judd e al, 2024; Scotese, 2015; Yildiz, 2019; Brink, 2024] e das concentrações de O₂ [Dorrell&Smith, 2011] e CO₂ [Royer et al/GEOCARB, 2004; Dorrell&Smith, 2011] atmosféricos abstraindo incertezas, pretendendo dar uma ideia aproximada das variações dos valores médios globais.
Tabela da evolução da vida no Paleozoico
3.2. Uma história climática do Paleozoico
Tão somente para que as passagens dos tempos avancem com fluidez nesta história climática do Paleozoico, ela é apresentada com as seguintes subdivisões:
- Cambriano (53,4 milhões de anos),
- Ordoviciano inferior e médio (27 milhões de anos),
- Ordoviciano superior e Siluriano inferior e médio (31 milhões de anos),
- Siluriano superior (8,2 milhões de anos),
- Devoniano (60,3 milhões de anos),
- Carbonífero (60 milhões de anos) e
- Permiano (47 milhões de anos).
3.2.1. Cambriano
De 538,8 milhões a 485,4 milhões de anos atrás | |
Luminosidade do Sol | entre 96 e 96,3% da atual |
Duração do ciclo dia-noite | entre 21 e 21,3 horas |
Temperatura | entre 29,5 e 32,3°C |
Concentração de O₂ na atmosfera | entre 18 e 12,6% |
Quantidade de CO₂ na atmosfera | entre 4.600, 7.300 e 3.746 ppm |
3.2.1.1. Um clima propício à biodiversidade
No início do Paleozoico, o clima da Terra era quente e úmido sem extremos e sem distinções de estações climáticas, o que impedia avanços glaciais. Muitas porções de terra dos continentes estavam localizadas em latitudes elevadas, principalmente no Hemisfério Sul. O Gondwana havia se separado recentemente do Pannotia e 80% do planeta era coberto por água, principalmente com o oceano Pantalassa. Era o cenário propício para uma explosão de biodiversidade [Hearing et al, 2018; Strauss, 2018; USGS, 2025].
3.2.1.2. Explosão Cambriana
Antes, no final do Pré-Cambriano, a vida na Terra consistia em bactérias unicelulares, algas e raros animais multicelulares. Iniciado o Cambriano, ao longo de 40 de milhões de anos, a vida marinha floresceu sem precedentes com a chamada Explosão Cambriana [Strauss, 2018; NPS, 2025; USGS, 2025].
Ela aconteceu quando as alterações ambientais ultrapassaram limiares ecológicos críticos, levando à formação inicial de um ecossistema dominado por metazoários
por meio de uma série de processos ecológicos indiretos. Havia maior disponibilidade de oxigênio atmosférico devido aos eventos de oxidação do Proterozoico e a produtividade marinha era crescente. Estes fatores produziram alterações no sistema terrestre aumentando o oxigênio dissolvido e o suprimento de alimentos em habitats de águas rasas na transição do Neoproterozoico para o Paleozoico [Zhang e Shu, 2013; Stockey et al, 2024].
Inicialmente surgiu a maioria dos principais grupos de invertebrados que evoluíram com conchas protetoras e exoesqueletos. Animais grandes e sedentários ficaram em desvantagem quando apareceram predadores, o que teria desencadeado uma corrida armamentista evolucionária. Então, uma explosão de tipos de corpos e comportamentos complexos preencheu os oceanos. Houve a disseminação global do primeiro plâncton e surgiram criaturas bizarras,
vermes, pequenos moluscos
e pequenos protozoários com conchas, além dos primeiros protovertebrados [Fox, 2016; Strauss, 2018; NPS, 2025].
Reconstruções de criaturas bizarras da Explosão Cambriana:
A disponibilidade de oxigênio atmosférico e nutrientes na água do mar produziu a Explosão Cambriana [Zhang e Shu, 2013].
Ainda não foi a vez da vegetação surgir na porção terrestre do nosso planeta, mas nos oceanos havia muitos invertebrados marinhos, incluindo esponjas e braquiópodes.
Entre os invertebrados mais emblemáticos, surgiram os trilobitas,
que não existem mais, e os artrópodes.
O surgimento de animais com conchas duras facilitou o registro fóssil. [USGS, 2025; NPS, 2025].
Durante o Cambriano não aconteceu uma contínua expansão de biodiversidade, pois houve rotatividade significativa nos animais. Anomalocaris de muitos membros e seus parentes, por exemplo, do início do Cambriano, diminuíram ou foram extintos completamente. Como consequência, a vida no final do Cambriano era relativamente menos diversa do que no início do período [NPS, 2025].
No Furongiano (no final do Cambriano) houve uma lacuna de biodiversidade (ou evolutiva) com ausência de fósseis talvez por falta de rochas ou por amostragem inadequada ou talvez por condições não propícias para o florescimento de organismos marinhos [Harper et al, 2019]. De qualquer forma, como resultado da Explosão Cambriana, animais vertebrados e invertebrados multicelulares passaram a dominar os oceanos da Terra [Strauss, 2018] aguardando uma revolução e uma nova biodiversificação.
3.2.2. Ordoviciano inferior e médio
De 485,4 milhões a 458,4 milhões de anos atrás | |
Luminosidade do Sol | entre 96,3 e 96,5% da atual |
Duração do ciclo dia-noite | entre 21,3 e 21,4 horas |
Temperatura | entre 32,3 e 27,6°C |
Concentração de O₂ na atmosfera | entre 12,6 e 12,3% |
Quantidade de CO₂ na atmosfera | entre 3.746 e 2.676 ppm |
3.2.2.1. Revolução do Plâncton
A maior área continental ainda fazia parte do Gondwana, localizado no Polo Sul, manteve-se o clima sufocante, quente e úmido [Straus, 2019; USGS, 2025] e surgiram organismos planctônicos marcando a chamada Revolução do Plâncton que introduziu a planctotrofia [Servais e Harper, 2018].
A diversidade do fitoplâncton
teve aumento contínuo refletindo até certo ponto a biodiversidade dos invertebrados marinhos. A Revolução do Plâncton pode ser considerada o primeiro grande passo para a biodiversificação que estava por vir [Servais e Harper, 2018].
3.2.2.2. Grande Evento de Biodiversificação do Ordoviciano
O Grande Evento de Biodiversificação do Ordoviciano (GOBE)
é considerado uma das radiações evolutivas
mais significativas nos ecossistemas marinhos de todo o Fanerozoico. Sempre foi considerada uma radiação adaptativa de longo prazo,
resultando na soma das diferentes diversificações individuais de todos os grupos de organismos marinhos que ocorreram ao longo de todo o Ordoviciano [Servais, Miñana e Harper, 2021].
A Explosão Cambriana e o GOBE, dois importantes eventos na evolução da vida marinha, podem ter constituído uma única radiação de longo prazo. O GOBE aumentou a biodiversidade marinha em todos os níveis taxonômicos (ordens, famílias, gêneros e espécies) em grande parte dentro dos filos estabelecidos na Explosão Cambriana (com possível exceção do Bryozoa),
provavelmente resultando de uma combinação de vários processos geológicos e biológicos e dos feedbacks climáticos positivos decorrentes [Servais et al, 2010; Servais e Harper, 2018].
Foi no GOBE que os ecossistemas marinhos modernos se estabeleceram, enquanto durante o Cambriano, a vida marinha ficou principalmente restrita a habitats próximos ao fundo do mar e a ambientes próximos à costa. No grupo bentônico
foram produzidas teias alimentares mais complexas do que as do Cambriano e maior estratificação (especialmente acima da interface sedimento-água), além de ocorrer desenvolvimento de estruturas de hierarquia com maior competição por recursos específicos [Servais et al, 2010; Servais e Harper, 2018].
Abrangendo todo o Ordoviciano com múltiplos eventos sequenciais, o GOBE incluiu fases sucessivas de biodiversidade das biotas pelágica e bentônica, possivelmente dissociadas.
Este evento pode ser visto como uma sequência de diversificações das comunidades planctônicas (Cambriano tardio–Ordoviciano inicial), bentônicas de fundo plano (Ordoviciano inicial–Médio) e recifais (Ordoviciano médio–final), comunidades que coevoluíram e interagiram entre si e com o clima [Servais e Harper, 2018].
Surgiram novas variedades de esponjas, trilobitas, artrópodes, braquiópodes e equinodermos.
Os vertebrados e os primeiros artrópodes expandiram sua presença nos oceanos. A vida marinha vertebrada foi representada por peixes pré-históricos sem mandíbula do Ordoviciano.
As evidências de vida vegetal terrestre são vagas e algas verdes microscópicas
flutuavam na superfície (e logo abaixo) de lagoas e riachos, junto com fungos igualmente microscópicos [Straus, 2019].
Reconstruções de (A) Arandaspis e (B) Astraspis, peixes sem mandíbula do Ordoviciano.
Os vertebrados do Ordoviciano, como estes peixes, viviam em ambientes marinhos no Gondwana, em zonas climáticas quentes a temperadas, ou no Laurentia-Báltica-Sibéria, em zonas tropicais quentes em ambos os lados da linha do equador [Blieck, 2011].
(Créditos das imagens: Nobu Tamura e SpinoJP).
Uma ampla gama de fatores pode ter causado ou pelo menos promovido o GOBE. Além das alterações climáticas, são citadas as seguinte causas: mudanças no nível do mar, eventos vulcânicos, atividades orogênicas, possível evento de superpluma e evento de ruptura de asteroide com seu consequente alto fluxo de meteoritos. Como grande impulsionador da biodiversificação também é considerado o aumento da ação de predadores promovendo estratégias alternativas de ataque e de defesa. Acredita-se também que o principal gatilho pode ter sido o resfriamento global com temperaturas da superfície do mar menores que desafiaram a vida a evoluir mais rápido e substancialmente [Servais et al, 2010; Cocks et al, 2021].
3.2.3. Ordoviciano superior e Siluriano inferior e médio
De 458,4 milhões a 427,4 milhões de anos atrás | |
Luminosidade do Sol | entre 96,5 e 96,8% da atual |
Duração do ciclo dia-noite | entre 21,4 e 21,5 horas |
Temperatura | de 27,6 a 31,5°C, com mínima em 19,5°C |
Concentração de O₂ na atmosfera | entre 12,3 e 18,6% |
Quantidade de CO₂ na atmosfera | entre 2.676 e 2.422 ppm |
3.2.3.1. Variações climáticas
Nesta transição entre o Ordoviciano e o Siluriano aconteceram as maiores variações climáticas de todo o Fanerozoico. A evolução de muitos grupos de animais bentônicos e pelágicos sensíveis a causas biológicas e ambientais foi afetada por tais variações. Elas decorreram das oscilações do CO₂ atmosférico (com tendência de queda) que, por sua vez, teve as seguintes prováveis causas [Cocks et al, 2021]:
- redução da atividade vulcânica do arco continental combinada com o aumento do intemperismo de silicato devido à maior concentração de continentes nos trópicos e
- exumação progressiva de arcos colisionais de baixa latitude.
Além de variações climáticas, ocorreram alterações oceanográficas. Havia depósitos ricos em matéria orgânica nas águas superficiais do vasto mar interior que havia sobre a placa Báltica. Eles foram afetados pela variação da salinidade e da temperatura da água ao longo do tempo determinando o tipo de matéria orgânica contida e sua preservação. A passagem do resfriamento do Ordoviciano para o clima de estufa do Siluriano superior foi caracterizada pela alternância progressiva de fases frias e quentes. Esta instabilidade climática afetou o estado redox daquele mar interior [Gambacorta G. et al, 2019].
Nesta transição Ordoviciano-Siluriano, uma calota de gelo se formou no Polo Sul, geleiras cobriram massas de terra adjacentes e um episódio glacial teve início [Straus, 2019; USGS, 2025].
3.2.3.2. Glaciação Andino-Saariana
A Glaciação Andino-Saariana ocorreu no Gondwana, nas proximidades do Polo Sul, e tem evidências encontradas em rochas da região andina da América do Sul e na região do Saara da África durante o Ordoviciano e o Siluriano [Earle, 2021].
Também conhecida como Idade do Gelo do Paleozoico Inicial, Glaciação do Ordoviciano ou Glaciação Hirnantiana, esta glaciação aconteceu em duas fases [Pohl et al, 2016]:
- Primeira – Surgiu uma camada de gelo continental ainda em clima quente. Os níveis de CO₂ não baixaram suficientemente e a temperatura de mar tropical pouco diminuiu. Nesta fase, configurações orbitais (excentricidade, obliquidade e precessão) e variações nos gases de efeito estufa não teriam sido favoráveis ao avanço da camada de gelo além de amplitudes moderadas.
- Segunda – A diminuição de CO₂ atmosférico se intensificou e foi seguida por uma queda acentuada da temperatura impulsionando uma extensão adicional do gelo marinho em direção à zona tropical. O período glacial alcançou seu ponto máximo e uma única camada de gelo em escala continental cobriu o Gondwana desde o Polo Sul até latitudes médias.
(Crédito: Earle / Eyles).
Causas prováveis de início e término da Glaciação Andino-Saariana.
milhões de anos atrás | causas prováveis | |
Início | ~455 | Maior aproximação do Godwana em relação ao Polo Sul e diminuição do CO₂ atmosférico devido (i) ao aumento da erosão e do intemperismo causado pela formação de uma grande cadeia de montanhas no norte da atual África [Earle, 2021] e (ii) à deposição generalizada de folhelhos negros (em transgressões) impedindo condições descontroladas de efeito estufa [Page et al, 2007]. |
Término | ~425 | Aumento de CO₂ atmosférico devido à interação de tectonismo com intemperismo de carbonato e silicato [Herrmann et al, 2003] e o afastamento do Gondwana do Polo Sul [USGS, 2025]. |
Durante a Glaciação Andino-Saariana houve crise global de biodiversidade e grandes perturbações do ciclo do carbono. Ocorreram episódios frequentes de anoxia oceânica [Page et al, 2007]. Durante o avanço da glaciação, quanto mais gelo se formava, mais o nível do mar caía. Os mares rasos que cercavam os continentes foram esvaziados com prejuízo para a vida [Straus, 2019; USGS, 2025] e uma extinção em massa aconteceu.
3.2.3.3. Extinção em massa do Ordoviciano-Siluriano
Mesmo antes de iniciar o Siluriano ainda durante o episódio de glaciação, há 444 milhões de anos, aconteceu uma grande queda na biodiversidade produzindo a mais antiga (a primeira do Fanerozoico) e a segunda maior das "Cinco Grandes" extinções em massa da Terra [Servais et al, 2010; Pohl et al, 2016; Cocks et al, 2021].
Foram extintas 75 a 80% das espécies que viviam em mares rasos [Straus, 2019; USGS, 2025] provavelmente, em parte, refletindo perda de habitat [Finnegan et al, 2012]. A queda das temperaturas globais, acompanhada por níveis do mar drasticamente reduzidos foram os principais responsáveis pelo extermínio de um grande número de gêneros. A vida marinha como um todo, no entanto, conseguiu se recuperar rapidamente já no início do Siluriano [Straus, 2019].
3.2.4. Siluriano superior
De 427,4 milhões a 419,2 milhões de anos atrás | |
Luminosidade do Sol | entre 96,8 e 96,9% da atual |
Duração do ciclo dia-noite | entre 21,5 e 21,6 horas |
Temperatura | de 31,5 a 32,3°C, com máxima em 34,7°C |
Concentração de O₂ na atmosfera | entre 18,6 e 19,9% |
Quantidade de CO₂ na atmosfera | entre 2.422 e 2.873 a ppm |
3.2.4.1. Aumento do nível do mar e orogenia
As porções correspondentes da América do Norte e do norte da Europa colidiram e o Gondwana começou a se afastar do Polo Sul, encerrando o período glacial. Como no clima de hoje, as temperaturas eram baixas junto ao Polo Sul e elevadas mais próximas à linha do equador. Houve um aumento significativo no nível do mar devido ao derretimento do gelo, resultando no reaparecimento de muitos mares rasos [USGS, 2025].
Grande parte da metade norte do planeta continuava coberta por águas oceânicas. Elas banhavam dois continentes menores, Laurentia e Báltica, próximos da linha do equador. Outro microcontinente, Avalonia, se separou da borda norte de Gondwana, deslocando-se para o norte. Estas três porções de terra entraram em colisão, processo que se iniciou no final do Ordoviciano e se prolongou até o Devoniano com construção de montanhas na chamada Orogenia Caledoniana [Bagley, 2014]. Enquanto isto, o Gondwana voltou a se aproximar do Polo Sul [Straus, 2019].
3.2.4.2. Oceanos tropicais e a camada de ozônio
Após o recente episódio glacial, as condições climáticas se amenizaram [Straus, 2019]. O clima esquentou e se estabilizou, vastas calotas de gelo do Gondwana derreteram, praticamente sumindo, e violentas tempestades foram desencadeadas pelo calor dos oceanos tropicais (conforme evidências de sedimentos formados de grandes quantidades de conchas quebradas) [NationalGeographic, 2025].
A atmosfera da Terra desenvolveu uma concentração efetiva da camada de ozônio fornecendo proteção mais eficaz contra a radiação ultravioleta letal. Em termos gerais, havia terminado o padrão anterior de flutuações climáticas e o derretimento glacial contribuiu para um aumento substancial no nível global do mar [NPS, 2023].
3.2.4.3. Nichos ecológicos, os peixes, a terra firme e os predadores
Com o nível do mar subindo, ricos ecossistemas marinhos rasos favoreram o surgimento de novos nichos ecológicos. A vida dava os primeiros sinais de que começava a colonizar regiões de água doce e terrestres. O clima aquecido proporcionou desenvolvimento mais significativo da biosfera, inclusive com a chegada das primeiras plantas a colonizar a terra. Os líquens foram provavelmente os primeiros organismos fotossintéticos a se agarrar às costas rochosas dos continentes. Quando a matéria orgânica dos líquens em decomposição se juntou à ação da erosão para desgastar a rocha, o primeiro solo real começou a se acumular em estuários rasos e protegidos [Bagley, 2014].
Extensos recifes de corais surgiram pela primeira vez, tornando-se comuns em mares tropicais rasos. A luz solar, penetrando nestas águas rasas, favoreceu a rápida diferenciação dos animais marinhos. Possivelmente o evento biológico mais notável foi a evolução e diversificação dos peixes. Surgiram os primeiros peixes com mandíbula
e os sem mandíbula evoluíram significativamente. Também surgiram os primeiros animais e plantas terrestres, incluindo artrópodes, briófitas e Cooksonia.
A maior parte da superfície terrestre foi coberta rapidamente pelas primeiras ainda que pequenas plantas com caule ereto e veias para transportar líquido. Por outro lado, grandes animais terrestres ainda não existiam e nosso planeta aguardava que os vertebrados gradualmente aprendessem a colonizar a terra seca. [Bagley, 2014; Straus, 2019; NPS, 2023; USGS, 2025].
Reconstruções de (A) Aquilonifer spinosus, (B) Cooksonia e (C) Entelognathus primordialis, todos do Siluriano.
O Aquilonifer spinosus vivia no fundo do mar varrendo o sedimento com suas antenas em busca de comida, que então manipulava com seus segundos apêndices da cabeça [Fang, 2016].
A Cooksonia, com seu caule com tecido vascular, desenvolvia-se às margens de lagos por todo o mundo [Bampi, 2017].
Os primeiros peixes com mandíbula, como o Entelognathus primordialis, nadavam em mares rasos e seus fósseis foram preservados em Red Beds do Siluriano [Zhao e Zhu, 2015].
A grande novidade entre os vertebrados foi realmente a evolução dos peixes com mandíbulas, escamas e abundantes nadadeiras afiadas e espinhosas. As mandíbulas (que, acredita-se, teriam evoluído dos suportes de guelras cartilaginosas) e os dentes que as acompanhavam permitiram que estes peixes primitivos perseguissem uma variedade maior de presas, bem como se defendessem contra predadores. Isto deu inestimável impulso à evolução subsequente dos vertebrados já que suas presas em potencial também desenvolveram vários recursos de defesa (como a maior velocidade de locomoção) [Straus, 2019; NPS, 2023].
3.2.5. Devoniano
De 419,2 milhões a 358,9 milhões de anos atrás | |
Luminosidade do Sol | entre 96,9 e 97,3% da atual |
Duração do ciclo dia-noite | entre 21,6 e 21,9 horas |
Temperatura | de 32,3 a 22,8ºC, com mínima de 22ºC |
Concentração de O₂ na atmosfera | de 19,9 a 18,1%, com mínima de 16% |
Quantidade de CO₂ na atmosfera | de 2.873 a 1750 ppm, com máxima de 4.000 ppm |
3.2.5.1. A aproximação de massas de terra e o elevado nível do mar
No início do Devoniano, os continentes Laurentia e Báltica se fundiram para formar o Laurússia nas proximidades da linha do equador [Strauss, 2019], enquanto ao norte se posicionava uma parte da atual Sibéria. Durante o Devoniano, todas as massas de terra passaram a se aproximar [USGS, 2025] e, até mesmo o Gondwana, que ocupava a maior parte do Hemisfério Sul, começou uma deriva significativa para o norte [Bagley, 2014].
Águas oceânicas cobriam aproximadamente 85% da Terra [House, 2024], o nível do mar era elevado e grande parte dos continentes era coberta por mares rasos [USGS, 2025].
3.2.5.2. Old Red Sandstones
Extensos depósitos continentais, conhecidos como Old Red Sandstone (ORS), formaram-se como uma sequência espessa de rochas entre 416 milhões e 359,2 milhões de anos atrás, em posição intermediária (quanto à idade) entre aos estratos do Siluriano superior e do Carbonífero inferior [Williams, 1903; Rafferty, 2007]. Naqueles tempos, foram depositadas areia e lama a uma profundidade de 11 km em bacias estruturais entre as cadeias de montanhas Caledonianas, cuja orogenia foi afetada por tectonismo e vulcanismo síncronos. A influência da Orogenia Varisca
na deformação das bacias também é evidente na sequência do ORS [Rafferty, 2007; Kendall, 2017].
Formaram-se arenitos com estratificação cruzada e argilitos, siltitos e folhelhos com fendas de ressecamento e impressões de gotas de chuva. Minerais de ferro oxidados se acumularam lentamente naquelas bacias manchando de vermelho o ORS, embora os arenitos (e argilitos) possam ser também verdes e cinzas enquanto os folhelhos se apresentem acinzentados [Rafferty, 2007].
Old Red Sandstone (argilitos cinzas e arenitos vermelhos), do Devoniano inferior, na praia de Freshwater East, no País de Gales.
(Crédito: Alan Hunt)
Atualmente o ORS é encontrado no noroeste da Europa, na Escandinávia, na Groenlândia e no nordeste do Canadá, tendo sido extensivamente estudados na Grã-Bretanha [Rafferty, 2007]. Essa distribuição pode ser explicada pela deriva continental. O ORS se formou ocupando grande parte do norte do Laurússia em latitudes subtropicais a tropicais e se subdividiu quando a América do Norte se distanciou da Europa com o surgimento do oceano Atlântico [Kendall, 2017; AMNH, 2025].
A fauna fóssil do ORS é caracterizada por peixes primitivos, muitas vezes blindados, enquanto nos estratos mais jovens são encontrados vertebrados tetrápodes terrestres
que, provavelmente, habitavam riachos e rios de água doce [Rafferty, 2007].
A formação do ORS ocorreu concomitantemente com profundas inovações nos ecossistemas terrestres e alterações nos regimes sedimentológicos. Houve proliferação de plantas terrestres que tiveram um grande impacto na composição atmosférica e no desenvolvimento dos solos resultante da sedimentação aluvial, da estabilização de planícies de inundação e de sedimentos de grãos mais finos produzidos pelo intemperismo [Kendall, 2017].
3.2.5.3. No ambiente marinho
Nos mares tropicais rasos, recifes eram abundantes e abrigavam uma infinidade de vida marinha [USGS, 2025]. Embora eventos significativos tenham acontecido com evolução das plantas, dos primeiros insetos e de outros animais, o Devoniano é conhecido como a Era dos Peixes [Bagley, 2014].
Quase toda a vida estava no mar [Mack, 2021]. Amonites
apareceram pela primeira vez [House, 2024] e fervilhavam os peixes com nadadeiras lobadas
(dos quais os primeiros tetrápodes evoluíram), bem como os peixes com nadadeiras raiadas
relativamente novos (a família de peixes mais populosa da Terra atualmente) [Strauss, 2019]. Tubarões relativamente pequenos – como o Stethacanthus
bizarramente ornamentado e o Cladoselache
estranhamente sem escamas – eram uma visão cada vez mais comum nos mares [Strauss, 2019].
Os trilobitas estavam em declínio, talvez devido ao aumento de predadores nadadores [USGS, 2025]. Continuavam a florescer invertebrados (como esponjas e corais) e os gigantes eurypterídeos que, com sucesso, competiam por presas contra vertebrados representados pelos tubarões [Strauss, 2019].
3.2.5.4. Da água para a terra firme
O Devoniano foi essencial para os vertebrados com a ocorrência do evento arquetípico na evolução da vida: a evolução dos peixes com nadadeiras lobadas para se adaptarem à terra firme [Strauss, 2019]. No final do Devoniano, eles evoluíram para os primeiros protoanfíbios, que foram os primeiros vertebrados a habitar a terra [USGS, 2025]. Nesta aventura, foi essencial passar do sistema respiratório com guelras para pulmões. As guelras estão presentes em todas as larvas de anfíbios e os pulmões são a principal parte do sistema respiratório de muitos anfíbios terrestres e de todos os répteis [Vitt e Caldwell, 2013]. A transição água-terra no Devoniano foi possível devido a modificações morfológicas e fisiológicas, incluindo a aquisição de pulmões. A evolução inicial dos pulmões, porém, é controversa principalmente pela raridade de preservação de tecido mole fóssil [Cupello et al, 2022].
Os primeiros tetrápodes que saíram dos mares primordiais para colonizar a terra firme, como o Acanthostega
e o Ichthyostega,
evoluíram de vertebrados marinhos, como Tiktaalik
e Panderichthys.
Muitos dos primeiros tetrápodes, que possuíam sete ou oito dígitos em cada pé, entraram em um "beco sem saída" da evolução, pois todos os vertebrados terrestres atuais possuem o padrão de cinco dedos [Strauss, 2019].
O Tiktaalik respirava exclusivamente debaixo d'água, mas provavelmente vivia ao longo da interface água-ar, escondido como um predador de emboscada [Anderson, 2024].
O Acanthostega parece ter se adaptado a córregos e lagos repletos de troncos e provavelmente caçava escondido pela vegetação aquática, abocanhando peixes que passassem próximos à sua toca [Anelli et al, 2020]
(Créditos das imagens: Nobu Tamura e Nobu Tamura).
Complexos ecossistemas de plantas terrestres (que começaram a se desenvolver) foram aproveitados por uma grande variedade de pequenos artrópodes, vermes, insetos incapazes de voar e outros invertebrados. Eles gradualmente avançaram para o interior, embora ainda não muito longe de corpos d'água. A grande maioria da vida, porém, ainda vivia nas profundezas dos mares [Strauss, 2019].
3.2.5.5. Em terra firme
Estruturas primitivas de enraizamento de plantas evoluíram no início do Devoniano, progredindo posteriormente para as primeiras florestas [Mack, 2021]. Datam destes tempos os fósseis mais antigos de insetos e aranhas [NPS, 2023]. Regiões terrestres temperadas se tornaram realmente verdes. As plantas cresciam competitivamente em busca de mais luz solar [Strauss, 2019]. Simultaneamente, surgiram os primeiros incêndios florestais e, consequentemente, os primeiros carvões [Mack, 2021]. Com o desenvolvimento dos solos, surgiram as primeiras sementes, o que permitiu que as plantas se reproduzissem mais eficientemente [NPS, 2023].
Mais para o final do período, para suportar o peso e proteger seus troncos, desenvolveram-se cascas rudimentares nas árvores, assim como mecanismos internos robustos de condução de líquido contra a força da gravidade [Strauss, 2019].
3.2.5.6. Clima quente, raízes nos primeiros solos e queda do oxigênio
No Devoniano inferior e médio, o clima era quente e uniforme e calotas de gelo se limitavam a áreas restritas [House, 2024]. As únicas geleiras se situavam no topo de altas cadeias de montanhas. Os polos Norte e Sul eram apenas marginalmente mais frios [Strauss, 2019] com grande parte da terra próxima da linha do equador. Os interiores das grandes massas de terra (não cobertas por mares rasos) eram secos e depósitos de sal e gesso se formavam [USGS, 2025].
Sistemas fluviais sinuosos e trançados dominaram a paisagem terrestre devido a canais enraizados por plantas e árvores que cresceram nos primeiros solos. A explosão generalizada da vegetação terrestre alterou o perfil do sequestro de carbono e do intemperismo de silicato [Mack, 2021], que aumentou quando plantas vasculares se espalharam em direção a terras altas com seus sistemas de raízes profundas. O sedimento transportado passou a carregar produtos de decomposição da atividade bacteriana e fúngica em detritos vegetais, facilitando a proliferação de algas e o desenvolvimento de condições anóxicas em bacias hidrográficas fechadas. A proliferação de plantas terrestres pode ter tido um grande impacto nas concentrações globais de CO₂ e oxigênio na atmosfera [Kendall, 2017].
A configuração continental foi crucial para a anoxia marinha, influenciando significativamente a circulação oceânica e os níveis de oxigênio [Gérard et al, 2024]. Aproximadamente na metade do Devoniano, o clima esquentou e aumentaram os nível de CO₂, mas em seguida houve uma queda da temperatura e da concentração de CO₂ trazendo um episódio glacial no Devoniano superior [Mack, 2021].
3.2.5.7. Glaciação do Devoniano superior
A Glaciação do Devoniano superior ocorreu no Hemisfério Sul, no Gondwana. Evidências, como pavimentos glaciais e clastos polimíticos estriados e facetados, são encontradas [Isaacson et al, 2008]:
- no Brasil (bacias do Parnaíba, Amazonas e Solimões),
- na Bolívia (bacias do Madre de Dios e do foreland ocidental),
- no Peru,
- na República Centro-Africana,
- em Níger e
- nos EUA.
Vista parcial de pavimento estriado, com seixos e blocos esparsos encravados no arenito
da parte superior da Formação Cabeças do Devoniano superior, no povoado de Calembre, Piauí, Brasil, na Bacia do Parnaíba.
(Crédito: L.C.M.O. Ponciano).
Causas prováveis de início e término da glaciação do Devoniano superior.
milhões de anos atrás | causas prováveis | |
Início | >375 | Orogenia em colisões continente-continente [Earle, 2021] com aumento da erosão na crosta continental [Eyles, 2008] |
Término | <375 | Sem consenso. |
Alterações fundamentais nos sistemas deposicionais com flutuações do nível do mar do Devoniano superior (e do Carbonífero inferior) trouxeram consequências na glacioestasia de curto prazo [Isaacson et al, 2008].
Podem ter ocorrido impactos e chuvas de cometas que coincidiram com elevações do nível do mar, intercalando a glaciação intermitente com vários episódios interglaciais mais quentes. Simultaneamente, pulsos de extinções em massa aconteceram [Sandberg et al, 2002].
3.2.5.8. Extinção (ou extinções) em massa do Devoniano superior
O final do Devoniano presenciou a segunda grande extinção da vida na Terra [Strauss, 2019] constituída por uma série de grandes pulsos [Mack, 2021]:
- há ∼383 milhões de anos, com a extinção de alguns organismos bentônicos, como equinodermos e briozoários,
- há ∼372 milhões de anos, com a eliminação de alguns ecossistemas de recifes de corais, e
- há ∼359 milhões de anos, com a extinção de muitos organismos pelágicos, incluindo peixes e cefalópodes.
Nem todos os grupos de animais foram igualmente afetados. Organismos de águas profundas escaparam relativamente ilesos, mas trilobitas, em recifes, e placodermos
estavam especialmente vulneráveis [Strauss, 2019]. Foi marcante a extinção dos placodermos, como o enorme Dunkleosteus [Strauss, 2019].
Também foi notável a diversificação de espécies ocorrida após a extinção, à medida que os descendentes dos organismos sobreviventes preencheram habitats abandonados [House, 2024].
Reconstrução de Dunkleosteus terrelli.
Vertebrados como estes foram extintos durante o chamado Evento Hangenberg,
em virtude de alterações climáticas [Strauss, 2020].
(Crédito: Matteo De Stefano/MUSE).
Um possível envenenamento de oceanos, rios e lagos poderia ter sido causado por detritos de múltiplos impactos de meteoros nestes pulsos de extinções [Strauss, 2019]. Em conjunto, tal envenenamento, a glaciação do Devoniano superior e a redução do nível global do mar seriam os potenciais desencadeadores destas extinções em massa [Speer et al, 2011]. Provavelmente contribuiu para isto, um grande aquecimento climático que provocou afinamento catastrófico da camada de ozônio, deixando passar níveis prejudiciais de radiação ultravioleta [Fields et al, 2020; Marshall et al, 2020]. Enquanto isto, os sobreviventes seguiram em frente.
3.2.6. Carbonífero
De 358,9 milhões a 298,9 milhões de anos atrás | |
Luminosidade do Sol | entre 97,3 e 97,7% da atual |
Duração do ciclo dia-noite | entre 21 e 22,3 horas |
Temperatura | de 22,8 a 19°C com mínima de 11,8°C |
Concentração de O₂ na atmosfera | entre 18,1 e 25,5% |
Quantidade de CO₂ na atmosfera | entre 1.750 e 525 ppm |
3.2.6.1. A Lacuna Romer e os anfíbios
A compreensão da vida dos sobreviventes que seguiram em frente no Carbonífero é dificultada pela Lacuna Romer,
que ocorreu na passagem do Devoniano para o Carbonífero e que praticamente impediu a produção de fósseis de vertebrados. Ao final desta lacuna, os primeiros tetrápodes do Devoniano superior, recentemente evoluídos de peixes com nadadeiras lobadas, perderam suas guelras internas e estavam a caminho de uma transformação em verdadeiros anfíbios [Straus, 2019].
Incluindo os anfíbios e também os primeiros lagartos, o surgimento de novos vertebrados terrestres foi notável no Carbonífero [Straus, 2019], que é muitas vezes chamado de "Era dos Anfíbios". Foi justamente quando aconteceu a diversificação de anfíbios primitivos, como os Temnospondyli e Stegocephali.
Houve avanços terrestres significativos tanto na vida animal quanto vegetal [Singtuen et al, 2025].
Reconstrução de um Capetus palustres, espécie da ordem Temnospondyli cujo fóssil do Carbonífero superior foi encontrado na República Tcheca.
Larvas de várias espécies de Temnospondyli nasciam aquáticas e se transformavam em adultos terrestres. Habitavam desde ambientes totalmente marinhos até terras altas áridas [Carter et al, 2021]. Os primeiros Temnospondylis viviam em pântanos de carvão e florestas do cinturão tropical onde empreendiam longas excursões [Schoch, 2013].
(Crédito da imagem: Dmitry Bogdanov).
3.2.6.2. Organismos marinhos
Com a extinção dos placodermos no final do Devoniano, a vida marinha não teve destaque no Carbonífero, exceto pelo relacionamento de alguns peixes com nadadeiras lobadas com os primeiros tetrápodes e anfíbios que invadiram a terra firme. Porém, continuaram abundantes nos mares pequenos invertebrados, como corais, crinoides e artrópodes.
Provavelmente, os tubarões do Carbonífero mais conhecidos sejam o Falcatus e o enorme Edestus [Straus, 2019].
Recuavam os mares rasos entre os continentes devido à aproximação destes e à redução periódica do nível das águas pela glaciação que estava em curso. Com estes recuos, desapareceram muitos organismos marinhos que ali viviam [USGS, 2025].
3.2.6.3. A vida terrestre
A diminuição dos licópodes
e de grandes insetos e a proliferação de samambaias arbóreas evidenciam uma tendência de temperaturas amenas no Carbonífero [Waggoner et al, 1996], apesar das regiões com glaciação.
O oxigênio foi especialmente benéfico para invertebrados terrestres. Alimentou o crescimento da megafauna de terra firme como a Meganeura e a Arthropleura,
que tiveram seus apogeus no Carbonífero [Straus, 2019]. As florestas eram comuns nas proximidades da linha do equador e apareceram as primeiras coníferas [USGS, 2025].
Reconstrução de uma Meganeura monyi.
O clima do Carbonífero, com a atmosfera apresentando elevadas concentrações de oxigênio, permitiu o desenvolvimento de insetos gigantes como a Meganeura [Costa Brito].
(Credito da imagem: Qohelet12).
As condições secas e frias do final do Carbonífero não agradavam às plantas, mas isto não impediu que esses organismos resistentes colonizassem todos os ecossistemas disponíveis em terra firme. Surgiram gêneros bizarros como Lepidodendron e Sigillaria [Straus, 2019].
O crescimento exuberante das plantas providenciou abundante matéria-prima para grandes depósitos de carvão [USGS, 2025].
Reconstrução de (A) Lepidodendron e (B) Sigillaria.
Árvores como estas floresceram no grande cinturão de "pântanos de carvão" ricos em carbono ao redor da linha do equador, fugindo do clima seco e frio do final do Carbonífero [Straus, 2019].
(Crédito da imgem: Dr Mary Gillham Archive Project).
3.2.6.4. Carvão
A formação de depósitos de carvão
aconteceu desde o início do Devoniano, mas os mais abundantes, geograficamente extensos e economicamente importantes são do Carbonífero-Permiano. Durante o final do Paleozoico, o pico no sequestro de carbono orgânico está associado à montagem do Pangeia, à extensa glaciação do período e às elevadas concentrações de O₂ atmosférico [Nelsen et al, 2016].
Sabe-se que o acúmulo da matéria orgânica acontece somente onde a produtividade supera a decadência. Assim, a causa da abundância dos depósitos carvão do Paleozoico superior poderia ser a evolução tardia de fungos. Se presentes, eles seriam responsáveis pela decomposição de lignina
e, em consequência, pela interrupção do ciclo do carbono. No entanto, evidências filogenômicas, geoquímicas, paleontológicas e estratigráficas rejeitam esta hipótese [Nelsen et al, 2016].
Provavelmente, a abundância na formação do carvão do Paleozoico superior, com pico no Carbonífero-Permiano, reflete uma combinação única de tectônica (com extensos sistemas deposicionais durante a montagem da Pangeia) e clima (com condições tropicais sempre úmidas). O cenário ideal dependeu também da localização geográfica, onde houve desenvolvimento de pântanos [Walker, 2000; Nelsen et al, 2016]. Nesta hipótese, não teria havido relevância direta da comunidade vegetal e fúngica. A lignina teria tido importância secundária já que grande proporção de horizontes de carvão carboníferos são dominados por peridermes de licopsídeos não lignificados [Nelsen et al, 2016].
Afloramento do Carvão Langhorne (carvão do tipo semiantracito)
no Vale Coalfield, Virginia, EUA, entre arenito (à esquerda, abaixo estratigraficamente) e folhelho, todos da Formação Price do Carbonífero inferior.
(Crédito: James St. John).
No Paleozoio superior, plantas importantes habitavam o grande cinturão de pântanos de carvão, ao redor da linha do equador [Straus, 2019]. Uma grande quantidade de detritos orgânicos, acumulados nestas zonas equatoriais quentes e úmidas, formaram-se em episódios glaciais, sendo soterrados em intervalos interglaciais [Nelsen et al, 2016]. O material vegetal caído nos pântanos posteriormente foi comprimido por milhões de anos de calor e pressão devido ao soterramento, produzindo vastas reservas de carvão e gás natural [Straus, 2019].
A preservação a longo prazo exigiu a subsidência da crosta para garantir a deposição contínua e impedir a erosão. Tal condição, comumente associada a depósitos de carvão, foi providenciada por flexões continentais na montagem do Pangeia. Para cooperar, o clima promoveu altos lençóis freáticos e produtividade biológica. Embora algum carvão tenha se acumulado em quase todos os momentos desde a evolução das plantas vasculares, a única vez que esta combinação de condições aconteceu com amplitude expressiva, pelo menos nos últimos 400 milhões de anos, foi durante a montagem carbonífera do Pangeia [Nelsen et al, 2016]. Além disto, apesar dos episódios glaciais da época, os depósitos de carvão cobriram as regiões mais aquecidas dos continentes e, assim, não foram significativamente afetados pela glaciação [Straus, 2019].
3.2.6.5. Glaciação Karoo
Durante a Glaciação Karoo, aconteceram episódios alternados entre condições glaciais e interglaciais [Montañez e Poulsen, 2013; Lv et al, 2022], o que causou repetidas mudanças importantes no nível do mar, embora as terras próximas à linha do equador sempre tenham permanecido úmidas e tropicais [USGS, 2025].
Vigorava um clima tropical úmido e uniforme, com pouca sazonalidade, mas boa parte do Gondwana se aproximou do Polo Sul [USGS, 2025] e uma tendência de resfriamento global fez com que geleiras cobrissem significativa porção do sul dos continentes. Em grande parte do Hemisfério Sul, a montagem do Pangeia influenciou a dinâmica atmosférica e os padrões de circulação oceânica [Straus, 2019].
A Glaciação Karoo recebeu seu nome em referência ao Supergrupo Karoo, uma sequência de rochas no sul da África, embora sejam encontradas evidências abundantes de glaciações coincidentes na América do Sul, na Austrália e na Antártida [Earle, 2021].
Seixo pingado em siltitos siliciosos laminados da Formação Elandsvlei, Grupo Dwyka, Supergrupo Karoo, nas proximidades de Laingsburg, África do Sul.
Depósitos de origem glacial do Grupo Dwyka, que contém a Formação Elandsvlei, ocorrem no interior das bacias do Supergrupo Karoo por todo o sul da África [Isbell et al, 2008].
(Crédito da imagem: Christierowe).
Apesar de não ser a mais fria, Karoo talvez tenha sido a mais longa de todas as glaciações da Terra e seguramente a mais longa do Fanerozoico. Incluiu todo o Carbonífero e grande parte do Permiano, quando, durante a maior parte desse tempo, a parte sul do Gondwana situada sobre o Polo Sul [Earle, 2021].
A glaciação Karoo coincide com níveis significativamente baixos e persistentes de CO₂. O intemperismo eficiente com consumo de CO₂ é atribuído à orogenia e ao crescimento vigoroso das plantas [Earle, 2021].
Provável extensão da Glaciação Karoo (em cor branca) no sul do Pangeia há ~300 milhões de anos.
(Crédito: Earle / Eyles).
Causa provável do início da Glaciação Karoo.
milhões de anos atrás | causa provável | |
Início | ~360 | As raízes das árvores das florestas (que evoluíram no final do Devoniano) teriam desempenhado papel significativo no afrouxamento do solo e na quebra de rochas próximas à superfície, facilitando o intemperismo químico e, assim, causado a remoção do CO₂ da atmosfera [Earle, 2021]. |
Tudo aponta para uma era glacial dinâmica caracterizada por períodos discretos de glaciação separados por períodos de contração do gelo durante aquecimentos intermitentes. Ocorriam camadas de gelo de tamanho moderado produzidas de diversos centros de gelo espalhados por todo o sul do Gondwana e possivelmente no Hemisfério Norte. As condições glaciais próximas ao Polo Sul receberam fortes respostas tanto da circulação oceânica quanto do clima de baixa latitude [Montañez e Poulsen, 2013].
3.2.6.6. O ovo amniótico, os anfíbios e os répteis
Neste contexto glacial/interglacial, no final do Carbonífero, os anfíbios eram representados por gêneros importantes como Amphibamus e Phlegethontia.
Assim como os anfíbios modernos, eles precisavam colocar seus ovos na água e manter a pele úmida e, com estas restrições, ficavam impedidos de se aventurar muito longe em terra firme [Straus, 2019].
O ovo amniótico
foi uma das maiores inovações evolutivas do Carbonífero, permitindo a exploração dos espaços terrestres por certos tetrápodes. Foi uma vantagem que deu aos ancestrais de pássaros, mamíferos e répteis a capacidade de depositar seus ovos na terra sem medo que perdessem umidade de forma irremediável [Waggoner et al, 1996].
Os ovos com casca dos répteis é a característica mais importante que os distingue dos anfíbios. Com este sistema reprodutivo, os répteis são mais capazes de suportar condições secas. Esta evolução foi estimulada pelo clima cada vez mais frio e seco do final do Carbonífero [Straus, 2019; USGS, 2025].
Com esta vantagem a favor dos répteis, o Hylonomus lyelli
foi um dos primeiros identificados, aparecendo há ~315 milhões de anos. No final do Carbonífero, este e outros répteis migraram mais para o interior do Pangeia, evoluindo como ancestrais dos primeiros dinossauros que surgiram quase cem milhões de anos depois [Straus, 2019].
Os primeiros amniotas
produziram duas linhagens evolutivas principais: sinapsídeos,
que são ancestrais dos mamíferos modernos, e sauropsídeos,
que incluem os répteis e os pássaros de hoje [Singtuen et al, 2025]. Tudo isto sob os rigores de uma glaciação ainda que não totalmente descontrolada.
Reconstrução do Hylonomus lyelli do Carbonífero.
O Hylonomus se aventurava nas profundezas das florestas de licopsídeos,
longe dos corpos d'água [Maddin, 2019].
(Crédito da imagem: Matteo De Stefano/MUSE).
3.2.7. Permiano
De 298,9 milhões a 251,9 milhões de anos atrás | |
Luminosidade do Sol | entre 97,7 e 98% da atual |
Duração do ciclo dia-noite | entre 22,3 e 22,5 horas |
Temperatura | de 19 a 20,9°C com mínima de 13,2°C |
Concentração de O₂ na atmosfera | entre 25,5 e 23% |
Quantidade de CO₂ na atmosfera | entre 525 e 750 ppm |
3.2.7.1. Glaciação Karoo (continuação)
A geografia parece ter desempenhado importante papel no controle da Glaciação Karoo tanto no seu início quanto no seu final. Ela atingiu seu auge no Permiano Inferior e se deteriorou durante o Permiano Médio. O ritmo e a intensidade dos episódios glaciais e inter-glaciais devem ter sido modulados principalmente por flutuações no CO₂ atmosférico, determinados principalmente pelo sequestro de Carbono orgânico em ambientes terrestres. Assim, esta glaciação do final do Paleozoico continuou no Permiano com intervalos descontínuos curtos que intercalavam episódios glaciais e interglaciais [Frank et al, 2008].
Afloramento rochoso com pavimento estriado em arenito do Grupo Itararé (Permocarbonífero), na Colônia Witmarsum, município de Palmeira, Paraná, Brasil. Registro da Glaciação Karoo do Gondwana [Ribeiro, 2023].
(Crédito da imagem: SamirNosteb).
Causa provável do término da Glaciação Karoo.
milhões de anos atrás | causa provável | |
Término | ~260 | Redução da área adequada para o crescimento da geleira porque grande parte do Pangeia estava acima do nível do mar limitando a extensão e o potencial de preservação da glacioestasia [Frank et al, 2008]. |
Em comparação com o final do Carbonífero e o início do Permiano, no restante do Permiano grande parte do Pangeia estava acima do nível do mar devido aos efeitos isostáticos termotectônicos relacionados ao estágio final de formação do supercontinente [Frank et al, 2008]. O término da Glaciação Karoo constitui a única transição conhecida de condição glacial para um estado de estufa completo, ou seja, quente e com elevadas concentrações de CO₂ atmosférico [Montañez e Poulsen, 2013; Lv et al, 2022].
3.2.7.2. O clima no Pangeia
A maior parte da massa terrestre da Terra, no Permiano, permaneceu presa ao Pangeia, com ramificações remotas incluindo as atuais Sibéria, Austrália e China [Strauss, 2019]. Era a maior porção terrestre desde antes do Cambriano com menos mares rasos do que durante o Carbonífero [USGS, 2025].
Na montagem do Pangeia, a colisão da Laurásia com o Gondwana produziu o cinturão dos Montes Apalaches do leste da América do Norte e os Montes Hercínicos no Reino Unido. Uma nova colisão da Sibéria e do leste da Europa criou os Montes Urais da Rússia [Waggoner et al, 1996].
Houve grandes alterações climáticas. Sem corpos d'água próximos para amenizar o clima, vastos desertos se formaram na região central do Pangeia. Estas áreas eram atingidas por grandes variações de temperaturas diárias e sazonais, talvez mais extremas do que qualquer região atual. Também havia grande variação latitudinal no clima, com geleiras nos polos e vegetação tropical na linha do equador. Com este clima árido e sazonal do Permiano, a maioria dos pântanos de carvão tropicais foram sendo substituídos por florestas temperadas com abundantes coníferas [USGS, 2025].
3.2.7.3. Organismos marinhos
Os mares costeiros rasos continuaram a diminuir de tamanho, ou seja, escasseavam os habitats para organismos marinhos de pouca profundidade [USGS, 2025]. Poucos vertebrados marinhos deixaram registros fósseis porque as condições geológicas não se prestavam ao processo de fossilização. As exceções eram peixes como Helicoprion,
Xenacanthus
e Acanthodes,
além de répteis como Claudiosaurus [Strauss, 2019].
Reconstrução do (A) Helicoprion bessonowi, do Permiano inferior da região dos Urais, e do (B) Claudiosaurus germaini, do Permiano Superior de Madagascar
O Helicoprion provavelmente nadava nos mares da costa sul do Gondwana e, posteriormente, do Pangeia [Faizan, 2025], ou seja, longe das águas tropicais.
Claudiosaurus germaini nadava em ambiente marinho aberto hospedado em vales de rifte da Formação Sakamena, de Madagascar. Esta formação é constituída por depósitos lacustres intercalados com depósitos fluviais e costeiros [McMenamin, 2019].
(Crédito das imagens: Dmitry Bogdanov e Nobu Tamura).
No Permiano também eram encontrados organismos marinhos como braquiópodes, gastrópodes,
cefalópodes (nautilóides e amonóides)
e crinoides [NPS, 2023].
Estes cefalópodes viviam próximos à linha do equador antes da extinção em massa do Permiano-Triássico [Korn et al, 2021].
3.2.7.4. Organismos terrestres
As condições climáticas e ambientais do Permiano ainda não eram adequadas para a explosão de formas de insetos que ocorreria somente no Mesozoico. Os insetos mais comuns eram baratas gigantes, cujos exoesqueletos resistentes davam a esses artrópodes uma vantagem seletiva sobre outros invertebrados terrestres. Também eram comuns vários tipos de libélulas, embora não fossem tão notáveis quanto seus antepassados do Carbonífero [Strauss, 2019].
Em termos de variedades estranhas de plantas, as licópodes foram substituídos pelas Glossopteris.
Evoluíram novas plantas com sementes e disseminaram-se samambaias, coníferas e cicadáceas,
que se tornariam no Mesozoico fonte essencial de alimento para os répteis [Strauss, 2019].
No início do Permiano, dois dos anfíbios mais notáveis eram o Eryops
e o bizarro Diplocaulus [Strauss, 2019].
Porém, à medida que muitos pântanos secaram, os anfíbios diminuíram, sendo substituídos em abundância em terra pelos répteis [USGS, 2025]. Como os anfíbios ficaram limitados a viver na proximidade de corpos d'água, foram superados por répteis que podiam avançar em terra firme para depositar seus ovos com casca dura. Ao se tornarem significativamente mais secos, os ecossistemas ao redor do globo estimulou a evolução de novos tipos de répteis mais bem adaptados para lidar com o clima árido [Strauss, 2019].
Reconstrução de (A) Eryops megacephalus e de (B) Diplocaulus magnicornis, ambos do Permiano.
O anfíbio Eryops vivia no interior e ao redor de rios e lagos como os jacarés modernos e provavelmente se alimentava principalmente de peixes, suplementados por animais terrestres [Martino e Greb, 2009].
O anfíbio Diplocaulus se alimentava de peixes, vivia em pântanos e conseguia atravessar riachos, rios e lagos com facilidade [Rothenburger, 2019]
(Crédito das imagens: Dmitry Bogdanov e Nobu Tamura).
O evento mais importante foi o surgimento dos répteis sinapsídeos que, inicialmente, eram assemelhados a crocodilos e até mesmo a dinossauros. Uma população de sinapsídeos se ramificou em um grupo de terapsídeos,
que gerariam no futuro os primeiros mamíferos. Ao mesmo tempo, surgiram os arcossauros [Strauss, 2019].
A expansão de cinturões desérticos subtropicais é indício de que as condições no Permiano superior foram áridas. O ambiente global parecia ter atingido um estado crítico com perturbações que poderiam lançá-lo em um limiar de quase inabitabilidade com uma extinção em massa [Cui e Kump, 2015].
3.2.7.5. Extinção em massa do Permiano-Triássico
Logo após a ocorrência de uma reversão geomagnética, aconteceu a maior extinção em massa do Fanerozoico há 250 milhões de anos no final do Permiano, estendendo-se até o início do Triássico [Alden, 2017], sendo mais severa que aquela que dizimou os dinossauros dezenas de milhões de anos depois. Foram extintos 70% dos gêneros terrestres e 95% dos gêneros marinhos [Strauss, 2019] em longos 5 milhões de anos, ficando conhecida como a "Grande Morte" ("Great Dying") [Strauss, 2017].
A salinidade dos mares caiu drasticamente pela primeira vez, alterando a física oceânica e dificultando a circulação em águas profundas. A concentração de O₂ atmosférico também caiu. Matéria orgânica morta terrestre passou a inundar os mares, retirando oxigênio dissolvido da água e deixando-a anóxica [Alden, 2017].
A causa desta extinção em massa é atribuída às Traps Siberianas,
uma série de grandes erupções vulcânicas que formou um gigantesco corpo de basalto, iniciando a maior das grandes províncias ígneas da Terra [Alden, 2017; Cui e Kump, 2015].
Este planalto está localizado na borda noroeste do Planalto Central da Sibéria, na Rússia, ambos associados às Traps Siberianas [Racki, 2021].
(Crédito da imagem: Александр Лещёнок).
Estas erupções aconteceram quando as massas de terra se concentravam no Pangeia com uma diversidade reduzida de habitats. O magma, que subiu através de leitos de carvão, extravasou metano. As erupções liberaram enormes quantidades de dióxido de carbono (que ao entrar no mar, dificultou a produção de conchas calcificadas), gases de enxofre (que criaram chuva ácida) e outros gases vulcânicos (que destruíram a camada de ozônio) [Alden, 2017; Strauss, 2017]. Além disto, houve uma depleção do oxigênio atmosférico [Strauss, 2019]. A reduzida disponibilidade de rocha fresca para intemperismo de silicato (devido a uma longa lacuna orogênica) também pode ter causado o aumento das temperaturas e das concentrações atmosféricas de CO₂ atmosférico [Cui e Kump, 2015].
A extinção iniciou no mar, atingindo especialmente as espécies flutuantes e nadadoras, mais que as que viviam no fundo. Foram eliminados trilobitas, graptólitos
e corais tabulados e rugosos. Foram quase completamente exterminados radiolários,
braquiópodes (que dominaram completamente os mares do Permiano), amonóides, crinóides, ostracodes
e conodontes.
Espécies que tinham conchas calcificadas tiveram perdas severas. Criaturas com conchas de quitina
ou sem conchas tenderam a sobreviver, assim como as espécies com conchas mais finas e as com maior habilidade para controlar a calcificação [Alden, 2017; Strauss, 2017].
Em terra, os insetos sofreram com a extinção. A morte massiva de plantas e animais é indicada por um grande pico na abundância de esporos de fungos no final do Permiano, embora tenha sido menos devastadora do que a que atingiu o ambiente marinho. A erosão extrema da terra sugere que a cobertura vegetal desapareceu. Os que tiveram as menores baixas foram os tetrápodes ancestrais dos dinossauros [Alden, 2017], possibilitando que estes continuassem a história no Mesozoico.
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