24 de março de 2018

O ciclo da mineração no Brasil colonial

Por Marco Gonzalez

Açúcar, diamante e ouro.

O ciclo de mineração no Brasil do século XVIII trouxe transformações profundas à esta colônia portuguesa, com certeza. Aos poucos foram surgindo locais de prospecção afastados do litoral, desenhando um grande polígono de mineração que tinha Minas Gerais na parte central e, em seus limites, Mato Grosso, Goiás e Bahia.

A crise do açúcar

Desde meados do século XV, Portugal reinava no comércio mundial do açúcar. Em 1560, passou a fomentar a produção em sua colônia d'além-mar, com isenções de impostos e privilégios de nobreza aos senhores de engenho. Dessa forma, o açúcar constituiu uma base econômica para a implantação definitiva do europeu em solo brasileiro. Entretanto, o açúcar atraiu também a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais que acabou invadindo e ocupando uma rica porção territorial do Brasil colonial, as capitanias de Pernambuco, Itamaracá, Paraíba, Sergipe e Rio Grande do Norte. Os holandeses produziram açúcar nessa região de 1630 a 1650, quando foram expulsos.


Óleo sobre madeira "Paisagem com plantação: o engenho", de 1660, de Frans Post (Fonte: Carla Oliveira).

Os holandeses, após serem expulsos do Brasil, passaram a produzir açúcar em suas colônias nas Antilhas e logo conquistaram grandes mercados consumidores com açúcar mais barato e de melhor qualidade que o brasileiro. Esta concorrência causou uma crise na produção por aqui.

Com o declínio da economia açucareira, os pequenos agricultores de cana do nordeste viram escassear os caminhos para subir a níveis socioeconômicos mais elevados. Assim, a Coroa portuguesa perdeu o apoio desse segmento potencialmente poderoso da população que ficou atraído pelas notícias de recentes descobertas de campos de ouro mais ao sul no país.

A corrida do ouro

Com os objetivos principais de aprisionar índios, recuperar escravos foragidos e buscar pedras e metais preciosos, os bandeirantes paulistas, nos séculos XVII e XVIII, expandiram territorialmente o centro-sul do Brasil. Eles ultrapassaram o Tratado de Tordesilhas e, em meados do século XVII, encontraram várias minas de ouro em Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso.

Por décadas, pequenos depósitos de ouro aluvial foram explorados sem alarde para não despertar a ganância das autoridades portuguesas. Os depósitos foram descobertos provavelmente entre 1693 e 1695 na região que constituía o que hoje é Minas Gerais, entre a Serra da Mantiqueira e as cabeceiras do rio São Francisco. Mas a tranquilidade não duraria para sempre.

Espalharam-se notícias relatando ricos depósitos, com rios, riachos e ribeirinhos brilhando em ouro. Logo, acampamentos se transformaram em cidades e nasceram Ouro Preto, Mariana e Sabará. Os paulistas, de início, viram surgir concorrentes do nordeste, mas as notícias chegaram também a Portugal e, de 1708 a 1710, o Vale do São Francisco se transformou em uma região sem lei poluída pela escória do mundo português. Os paulistas, oriundos dos bandeirantes, considerando-se proprietários das minas, entraram em conflito com os estrangeiros, chamados emboabas. O conflito deu motivo para a Coroa portuguesa implantar o controle real e a Guerra dos Emboabas foi encerrada em 1710. 

Como consequência, muitos mineradores paulistas se transferiram para Goiás e Mato Grosso onde novos depósitos de ouro foram descobertos. Também nessa época muitos escravos africanos fugiram formando esconderijos chamados quilombos, sempre perseguidos por "capitães do mato". 

A extração do ouro

Quadro "Lavage du Mineral d'Or", de 1820/5, de Rugendas, representando mineração de ouro próximo ao Morro de Itacolomi (Fonte: Centro de Doc. D. João VI).
pico da mineração no Brasil colonial aconteceu entre os anos 1750 e 1770, com extração de ouro e diamante em Minas Gerais e também em Goiás e Mato Grosso.

A extração do ouro se dava por lavra ou faiscação. A lavra era realizada por empresas com ferramentas e equipamentos especializados em grandes jazidas, com mão-de-obra escrava. A faiscação era caracterizada pelo garimpo do homem livre e de poucos recursos, principalmente em regiões ribeirinhas franqueadas a todos.

O ouro podia ser encontrado em aluviões ou nas encostas de montanhas entre cascalho e terra ou ainda no subsolo.

O ouro em aluviões, presente nas margens de rios, córregos e riachos, era garimpado com bateias, sendo o trabalho pesado executado por escravos africanos. Para que desse lucro eram necessários muitos garimpeiros e muito tempo.

O ouro das encostas de montanhas era extraído através de uma técnica chamada grupiara. O material era levado até um local com água e bateado. Também podia ser utilizada a roda d'água para levar água até o local onde o ouro se encontrava para, em seguida, transportá-lo com o cascalho até a parte baixa onde era bateado.

Nas minas subterrâneas os custos e os riscos de desabamento eram elevados e a mão-de-obra e os equipamentos tinham que ser especializados.

Os diamantes

Durante o século XVII, ocorreram as primeiras descobertas de diamantes na região do Arraial do Tijuco, atual cidade de Diamantina, em Minas Gerais. Mas somente em 1729 chegaram à Coroa notícias oficiais de descobertas na região do Serro do Frio, também em Minas Gerais. Muitas pessoas de diversas regiões, inclusive de outras partes da América e de Portugal, deslocaram-se para o local. 


Quadro "Les laveurs de diamants", do século XIX, de artista francês anônimo, representando escravos lavando diamentes em Minas Gerais (Fonte: Pinacoteca municipal de São Paulo).

A intensidade da extração saturou o mercado internacional com decorrente queda de preço. Para diminuir o entusiasmo, a Coroa portuguesa elevou a taxa de capitação por pessoa e, não sendo suficiente, a partir de 1734, proibiu a extração. Para reforçar o controle, foi criada a Intendência dos Diamantes. Em 1739 as lavras foram reabertas com contratos pré-determinados por quatro anos. Este sistema foi substituído pela criação, em 1771, da Real Extração Diamantina, possibilitando total controle da mineração à Coroa.


O controle da Coroa portuguesa

O ciclo de mineração, no século XVIII, que coincidiu com o declínio do açúcar, propiciou novas fontes de riqueza para a economia da colônia, além de ter estimulado a indústria do gado. Entretanto, a mineração na época nunca substituiu totalmente a agricultura de exportação, tendo o café, posteriormente, tomado o seu lugar.

Exportações brasileiras de açúcar, minério e café de 1650 a 1830 (Fontes: Simonsen, CDPB e Abreu e Lago).

A descoberta do minério brasileiro favoreceu a economia portuguesa que via a queda do valor dos seus produtos coloniais no século XVII. A Coroa portuguesa, dentre os impostos mais comuns, cobrava o quinto, a capitação, as tarifas de importação e exportação e os impostos sobre transmissão de propriedade. Em 1713, além do quinto, os mineradores tiveram que pagar a finta anual de trinta arrobas, reduzida para vinte e cinco em 1718.

Em 1720, foram criadas as Casas de Fundição para impedir a circulação de ouro em pó na colônia e no mesmo ano aconteceu a Revolta de Vila Rica. Cerca de 2.000 revoltosos conquistam a cidade de Vila Rica comandados pelo português Filipe dos Santos. Os lideres foram presos e Filipe condenado à forca.

Quadro "Julgamento de Filipe dos Santos", de ~1923, de Antônio Parreiras (Fonte: Museu Antônio Parreiras).

Com o declínio da produção de ouro por volta de 1750, os cofres da Coroa portuguesa começaram a esvaziar. Então, na década de 1770, foi criado o mais um imposto, a derrama, para compensar a diferença de receita. Este imposto foi a motivação para o surgimento dos inconfidentes mineiros.


A Inconfidência Mineira, em 1789, envolveu figuras com vários problemas comuns, mas o maior deles era a dificuldade financeira causada pelas políticas da Coroa portuguesa. E entre suas reivindicações estava incluída a eliminação das restrições à mineração.



Quadro "Jornada dos Mártires", de 1928, de Antônio Parreiras, representando inconfidentes presos (Fonte: Museu Mariano Procópio).

No século XVIII, a discussão sobre a tributação, o crescimento do poder do Estado, a fiscalização, o poder de polícia e a burocracia decorrente foram fatores essenciais para construir, da forma que foi possível, o processo civilizatório brasileiro.

Consequências do ciclo de mineração

O ciclo da mineração no Brasil colonial foi responsável por profundas mudanças na época. A população cresceu de 300 mil para cerca de 3 milhões de pessoas. Vieram para o Brasil neste período 800 mil portugueses e foi intensificado o comércio interno de escravos. Os eixos social e econômico foram transferidos do litoral para o interior e houve a mudança da capital de Salvador para o Rio de Janeiro, mais próxima à região mineradora. Cresceram as oportunidades no mercado interno e a sociedade se tornou mais flexível, em contraste com a sociedade açucareira.

Em 1703, Portugal assinou o Tratado de Methuen com a Inglaterra para lhe dar preferência na compra da lã inglesa em troca de tarifa favorável aos vinhos portugueses. Esse tratado prejudicou o movimento de industrialização das colônias e fez chegar o ouro brasileiro diretamente à Inglaterra, principalmente porque o pico da mineração no Brasil colonial, entre os anos 1750 e 1770, coincidiu com o período da industrialização inglesa. Assim, a forte influência econômica da Inglaterra sobre Portugal fez com que grande parte das divisas portuguesas fossem pagas com ouro brasileiro, favorecendo o pioneirismo inglês na Revolução Industrial.

Mesmo com o envio da riqueza brasileira ao exterior, o que restou por aqui viabilizou a construção de obras públicas urbanas, como fontes, pontes, edifícios e igrejas, além de apoiar fundações de caridade, como hospitais. Nas últimas décadas do século XVIII, as cidades de Minas Gerais viram surgir igrejas barrocas e rococó, casas, lojas e grandes prédios públicos.

Dois momentos das fronteiras brasileiras no período colonial (Adaptado de: Milenioscuro, 1572 / 1817).

A corrida do ouro contribuiu para a expansão do território brasileiro, incorporando grandes áreas originalmente espanholas. Também foi importante para gerar demandas de alimentos e animais para transporte. Criou a necessidade de expandir atividades agrícolas até os locais próximos à mineração. No período, o centro de gravidade econômico e administrativo brasileiro deslocou-se para a região Sudeste.

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