Por Marco Gonzalez
Representações artísticas de dois momentos da Terra próximos ao início e ao final do Pré-Cambriano.
À esquerda, durante o Intenso Bombardeamento Tardio no Hadeano.
(Adaptado de: Timwether).
À direita, durante uma glaciação do tipo Terra Bola de Neve (Sturtiana ou Marinoana) no Neoproterozoio.
(Adaptado de: Oleg Kuznetsov).
Uma história climática da Terra no Pré-Cambriano dá uma visão geral do clima e de suas interações com a geologia e a biologia entre ~4.567 milhões e ~539 milhões de anos atrás, primeira grande etapa da existência do nosso planeta vivida nestes seus primeiros ~4.000 milhões de anos.
2.1. Introdução
O Superéon Pré-Cambriano engloba um tempo anterior à explosão cambriana, daí seu nome [Zhang e Shu, 2013]. É subdividido nos éons:
- Hadeano, tempo geológico anterior à formação das primeiras rochas conhecidas, teve seu nome cunhado em 1972 pelo biogeólogo, cosmólogo e paleontólogo norte-americano Preston Ercelle Cloud Jr. (1912-1991), fazendo referência a Hades, deus do mundo subterrâneo na mitologia grega [Wilde, 2022];
- Arqueano (anteriormente Arqueozóico), cujas rochas foram recicladas de volta ao manto apagando qualquer registro isotópico de seus passados, foi batizado em 1872 pelo geólogo, mineralogista e zoólogo norte-americano James Dwight Dana (1813-1895), com nome derivado do grego antigo "arkhe" ("início" ou "origem") [Rankama, 1970; Ralls, 2025]; e
- Proterozoico, que tem seu nome formado pela junção do prefixo grego "proter" ("antigo" ou "anterior") com o substantivo grego "zoic" ("vida animal"), foi assim chamado pela primeira vez em 1888 pelo geólogo norte-americano Samuel Franklin Emmons (1841-1911) para identificar a porção menos antiga do Pré-Cambriano [Rankama, 1970; etymonline, 2020].
Tabela cronoestratigráfica do Superéon Pré-Cambriano.
(Baseada em: ICS).
Durante o Pré-Cambriano, o clima da Terra experimentou seus maiores extremos climáticos, desde calor escaldante até frio congelante, enquanto a luminosidade do Sol passou de 71 para 96% da atual [Ramstein et al, 2019] e a duração do ciclo dia-noite variou de 6,1 horas para 21 horas [Arbab, 2003].
Eventos climáticos, geológicos e biológicos do Pré-Cambriano.
Evolução da vida a...o: descrições na tabela que pode ser visualizada a seguir.
Glaciações com representação de extensão máxima em latitude: P = glaciação Pongola [Raub e Kirschvink, 2008], H = glaciação Huroniana [Williams e Schmidt, 1997; Tang e Chen, 2013], S = glaciação Sturtiana [Dutkiewicz et al, 2024] e M = glaciação Marinoana [Williams et al, 2008; Lan et al, 2022].
Red Beds: representações esquemáticas de ocorrências regionais e globais [Kuang et al, 2022].
Supercontinentes: V = Vaalbara, K = Kenorland, C = Colúmbia, R = Rodínia e P = Panótia [Gonzalez, 2018; Neves, 2022; Kuang et al, 2022].
BIFs: ocorrências conhecidas de Formações Ferríferas Bandadas (Banded Iron Formation) com representação esquemática de abundância (max = valor máximo relacionado à BIF Hamersley da Austrália) [Klein, 2005; Bekker et al, 2010].
LHB = Intenso Bombardeamento Tardio (Late Heavy Bombardment) [Zahnle et al, 2007]
GOE = Grande Evento de Oxidação (Great Oxidation Event) [Condie e O'Neill, 2010].
2GOE = Segundo Grande Evento de Oxidação (Second Great Oxidation Event ou Neoproterozoic oxygenation event) [Och e Zhou, 2012].
Curvas de luminosidade do Sol [Ramstein et al, 2019], do ciclo dia-noite [Arbab, 2003], de temperatura [Zahnle et al, 2007; NAS, 2008; Brink, 2024] e de concentrações de O₂ [Lyons e Reinhard, 2014; Martin, 2016; Pillans, 2018] e CO₂ [Shih, 2015; Alcott et al, 2024] atmosféricos abstraindo incertezas (exceto onde indicadas) pretendendo dar uma ideia aproximada das variações dos valores médios globais.
Tabela da evolução da vida no Pré-Cambriano
2.2. Uma história climática do Pré-Cambriano
2.2.1. Hadeano
De 4.567 milhões a 4.031 milhões de anos atrás | |
Luminosidade do Sol | em elevação de 71 a 74% da atual |
Duração do ciclo dia-noite | em elevação de 6,1 a 7,4 horas |
Temperatura | em declínio de ~2.700°C a 240°C (ou 65°C negativos) |
Concentração de O₂ na atmosfera | próxima a 0% |
Quantidade de CO₂ na atmosfera | em declínio de ~300.000 a 250.000 ppm (ou 75.000 ppm) |
2.2.1.1. Um agregado condrítico
Era uma vez, há ~4.567 milhões de anos, um agregado constituído essencialmente por planetesimais de composição amplamente condrítica que atualmente chamamos de Planeta Terra. Os dias eram mais curtos porque a Terra primitiva girava em torno de seu eixo com velocidade 4 vezes maior que a atual [Arbab, 2003]. Seu clima não estava pronto para a vida (como a conhecemos), pois se deduz que sua atmosfera era composta por uma mistura essencialmente de dióxido de carbono (CO₂) e nitrogênio (N₂) [Zahnle et al, 2007; NationalAcademies, 2008; Sossi et al, 2020; Catling e Zahnle, 2020].
2.2.1.2. A Lua e um ensopado ardente
Com apenas ∼50 milhões de anos de vida, aquele agregado teria sofrido a colisão de um planeta chamado Theia, do tamanho de Marte, e, com tal impacto e a partir da nuvem de detritos deslocados, foi formado o satélite natural da Terra, que chamamos de Lua. Com o calor gerado, o clima piorou. Foram eliminados os registros das rochas existentes e a Terra recém nascida praticamente derreteu formando uma sopa de magma [NationalAcademies, 2008; Zahnle et al, 2007].
Assim, no início do Hadeano, a superfície do nosso planeta seria um ensopado ardente, bombardeado por cometas e asteroides, com temperaturas que vaporizavam as rochas. Durante este intenso aquecimento, muitos dos elementos voláteis, que podem ter sido incorporados ao planeta, teriam sido perdidos e, por mil anos, a Terra continuou envolvida em vapor de rocha quente.
Neste cenário, algum material vulcânico teria conseguido irromper na superfície. A massa continental seria constituída por rochas análogas (mas diferentes geoquimicamente) aos basaltos e granitos continentais atuais. Na verdade, não são conhecidas rochas preservadas do Hadeano, o que sabemos aprendemos com meteoritos, com outros planetas e com antigos cristais de zircão daqueles tempos [Harrison, 2009; Hopkins et al, 2008; Harrison et al, 2017].
Corte polido de metaconglomerado com seixos de quartzo (com ∼3.050 milhões de anos – do Arqueano) pertencente ao Quartzito Jack Hills da Austrália Ocidental.
Esta amostra faz parte da coleção do Cranbrook Institute of Science, Bloomfield Hills, Michigan, EUA.
Estes metaconglomerados são famosos por conter microscópicos zircões detríticos, os grãos minerais mais antigos da Terra (com ∼4.400 milhões de anos – do Hadeano).
(Crédito da imagem: James St. John).
Após o manto solidificar, num clima quente e úmido, o vapor da atmosfera se condensou para formar, em ~4.400 milhões de anos atrás, um oceano de água quente (com mais de 200ºC). Ele se manteve assim enquanto os gases de efeito estufa permaneciam na atmosfera. Então o CO₂ foi sendo subduzido para o manto e a temperatura começou a diminuir no contexto do Paradoxo do Sol jovem e fraco [Lyons et al, 2014].
Não há consenso sobre o quanto a Terra era quente ou não e se era pequena ou grande a quantidade de gases de efeito estufa. A quantidade insuficiente destes gases para aquecer a Terra é uma hipótese que seria justificada porque [NationalAcademies, 2008]:
- o CO₂ da atmosfera pode ter sido soterrado pelo ciclo de movimentação das placas tectônicas muito rápido e
- para o CH₄ faltariam organismos (atualmente principal fonte de metano) que seriam raros ou não existiriam no Hadeano,
Um empobrecimento de Ca no intemperismo da época (o que não acontece atualmente) indica que teríamos um ambiente abiótico inabitável regado a uma chuva quente de vapor de silicato e com um oceano de magma que foi mantido por 2 milhões de anos [Sleep, 2010]. Enquanto isto, um intenso borbardeamento de bólidos celestes se aproximava.
2.2.2. Transição Hadeano-Arqueano
~4.031 milhões de anos atrás | |
Luminosidade do Sol | ~74% da atual |
Duração do ciclo dia-noite | ~7,4 horas |
Temperatura | com um valor incerto entre 240°C e 65°C negativos |
Concentração de O₂ na atmosfera | próxima a 0% |
Quantidade de CO₂ na atmosfera | com um valor incerto entre 250.000 e 75.000 ppm |
2.2.2.1. O Intenso bombardeamento tardio
Em um mundo onde oceano líquido já existia, aconteceu, entre ∼4.100 milhões e ∼3.8 milhões de anos atrás, o que conhecemos por Intenso Bombardeamento Tardio (LHB em inglês: "Late Heavy Bombardment") [Zahnle et al, 2007; Charnay et al, 2017; Lowe e Byerly, 2018; Catling e Zahnle, 2020].
Naqueles tempos, no Sistema Solar Interno, alguns planetas (como a Terra e Marte) e satélites naturais (como a Lua) ficaram sujeitos a taxas anormalmente altas de impactos de bólidos celestes de até 100 km de diâmetro (similares aos maiores asteroides atuais do Cinturão de Asteroides).
Acredita-se que aqueles bólidos teriam sido grandes o suficiente para ferver o oceano e envolver a Terra em um vapor de 1.200ºC. A escassez de rochas originadas na Terra com idades anteriores ao Arqueano é consistente com o efeito de profunda modificação e ruptura da crosta por grandes impactos.
Mesmo assim, o Intenso Bombardeamento Tardio provavelmente não esterilizou a Terra, pois a vida primitiva, algumas centenas de metros abaixo da superfície, teria sido pouco afetada. Mesmo que os impactos dos bólidos tivessem fervido metade do oceano e deixado a outra parte como uma salmoura escaldante, novos organismos poderiam ter se originado de ancestrais que viviam em sistemas hidrotermais ou eram extremamente tolerantes ao sal e ao calor.
Zircões detríticos antigos e organismos termófilos indicam [Harrison, 2009; NationalAcademies, 2008; Sleep, 2010] que, no final do Hadeano, a Terra teria oceanos, continentes, uma atmosfera pobre em oxigênio, provavelmente rica em CO₂ e N₂, e teria vida.
Vista aérea da fonte termal Grand Prismatic do Parque Nacional de Yellowstone, Wyoming, EUA, em 2022.
Ao redor da fonte, um tapete microbiano multicolorido de organismos termófilos mostra como a vida é possível em elevadas temperaturas [Brock, 1994].
Esta fonte jorra água a temperaturas que variam de 63°C a 87°C [Mead, 2015].
(Crédito da imagem: Carsten Steger).
Apesar do início escaldante, o intemperismo de ejetos resultante do impacto, aliado à possível carência de gases de efeito estufa, teria feito a temperatura da superfície primitiva diminuir.
2.2.3. Arqueano inferior
De 4.031 milhões a 3.200 milhões de anos atrás | |
Luminosidade do Sol | em elevação de 74 a 79% da atual |
Duração do ciclo dia-noite | em elevação de 7,4 a 9,6 horas |
Temperatura | em variação entre 240°C (ou 65°C negativos) até 40°C |
Concentração de O₂ na atmosfera | próxima a 0% |
Quantidade de CO₂ na atmosfera | praticamente constante em 250.000 ppm ou em elevação de 75.000 a 220.000 ppm |
2.2.3.1. Um clima com temperatura descendente
No Arqueano ainda persiste uma relativa escassez de dados incontestáveis, mas não tão grande quando a do Hadeano. Inicialmente, dois cenários seriam possíveis [Sleep, 2010]:
- Cenário 1: o clima teria se transformado em ameno ou gelado permitindo que vida continuasse a colonizar o planeta. Algumas espécies termófilas teriam se adaptado a locais com eventos hidrotermais ou se resguardado quilômetros abaixo da superfície, em dois contextos alternativos:
- com anteriores grandes impactos de asteroides que teriam fervido boa parte do oceano:
- neste caso restariam apenas sobreviventes termófilos, mas a seguir seus descendentes se adaptariam a ambientes de baixa temperatura com rápido aumento do número de espécies; ou
- sem impactos significativos de asteroides:
- nesta hipótese, sem uma extinção em massa repentina, ainda que com predominância de organismos termófilos sobre seus parentes de baixa temperatura, restaria indefinido o LUCA.
- Cenário 2: o clima teria esfriado muito lentamente, temperaturas entre 50-70ºC teriam se mantido ainda no Arqueano até ∼3.300 milhões de anos atrás e apenas organismos termófilos teriam existido na passagem do Hadeano para o Arqueano.
São cenários que nos revelam a Terra como um mundo estranho.
2.2.3.2. Um mundo estranho
Naquela Terra estranha do Arqueano [Guo et al, 2009; Camprubí et al, 2019; Mitchell e Kirscher, 2023; Smit et al, 2024], a Lua mais próxima conservava os dias terrestres correndo rápidos, havia uma crosta continental, mas não havia vida macroscópica e multicelular e a atmosfera apresentava a seguinte concentração de gases (comparada com a atual):
- dióxido de carbono (CO₂) era 10 a 2.500 vezes maior,
- metano (CH4) era 10² a 10⁴ vezes maior,
- nitrogênio (N₂) era semelhante ou menor e
- oxigênio (O₂) era ~0,001% da concentração atual.
Representação artística da Terra durante o Arqueano com vulcanismo, crosta continental, estromatólitos e a Lua mais próxima.
(Crédito da imagem: Tim Bertelink).
Então, prenunciando uma grande transformação climática, começaram a surgir ciclos de resfriamento e aquecimento, ainda que a oxidação da Terra tenha atrasado (talvez aguardando um declínio dos gases vulcânicos oxidáveis) [Kadoya et al, 2020], apesar de as cianobactérias já existirem conforme se deduz pelo registro de estromatólitos [Huynh, 2019].
2.2.4. Arqueano médio e superior
De 3.200 milhões a 2.500 milhões de anos atrás | |
Luminosidade do Sol | em elevação de 79% a 83% da atual |
Duração do ciclo dia-noite | em elevação de 9,6 a 12,3 horas |
Temperatura | em declínio de 40 a 20°C |
Concentração de O₂ na atmosfera | próxima a 0% |
Quantidade de CO₂ na atmosfera | inicial de 220.000 ppm (ou 250.000 ppm), intermediária de 250.000 ppm e final de 220.000 ppm |
2.2.4.1. O atraso da oxidação e os ciclos de resfriamento e aquecimento
O atraso do Grande Evento de Oxidação pode ter ocorrido por causa do pequeno sucesso evolutivo das primeiras cianobactérias associado à eficiência dos sumidouros de oxigênio, como as reações com compostos reduzidos (escassos em oxigênio) emanados do interior da Terra [Guo et al, 2009; Lyons et al, 2014]. Mesmo assim, a partir do Arqueano superior (e posteriormente no Proterozoico) passaram a se alternar episódios climáticos quentes com glaciações acompanhadas de oxigenação atmosférica, ciclos que aconteciam porque:
- o intemperismo nos supercontinentes retirava CO₂ da atmosfera, provocando tendências de resfriamento e,
- em clima glacial, a cobertura de gelo formada limitava o intemperismo, fazendo com que o CO₂ se acumulasse suficientemente para provocar elevação da temperatura.
E tudo se repetia. Assim, este feedback climático negativo, ao longo destes tempos com a alteração da luminosidade solar e das temperaturas do manto, desempenhou papel importante na regulação do clima da Terra.
2.2.4.2. A regulação do clima
O clima na Terra deu indícios de que passaria a ser regulado por emanações gasosas, pela fraca radiação solar e pela liberação de nutrientes nos oceanos [Young, 2013]:
- as emanações gasosas relacionadas à atividade vulcânica em centros de expansão oceânica e em outros locais eram controladas pela diminuição das temperaturas do manto;
- a fraca radiação solar (devido ao efeito do "Sol jovem e fraco") propiciava a ocorrência de glaciações, desde que as temperaturas da superfície se mantivessem baixas por longo tempo (também nos verões) para permitir acumulações de neve e gelo; e
- entre cada ciclo glacial quando nutrientes eram liberados nos oceanos, a atividade de fotossíntese era estimulada causando variações na oxigenação da atmosfera.
Enquanto esta regulação não se instalava definitivamente e ainda antes do Grande Evento de Oxidação, ocorreu a glaciação Pongola.
2.2.4.3. A glaciação Pongola
O nome desta glaciação deriva do Supergrupo Pongola do Arqueano médio. Uma de suas evidências é a ocorrência de diamictito maciço encontrado na Suazilândia e em partes da África do Sul naquele supergrupo. Ela ocorreu em um ambiente com níveis baixos de oxigênio [Kopp et al, 2005; Raub e Kirschvink, 2008; Guo et al, 2009].
Causas prováveis de início e término da glaciação Pongola.
milhões de anos atrás | causas prováveis | |
Início | ~2.985 | Desenvolvimento da fotossíntese oxigenada que foi eliminando o efeito estufa vigente |
Término | ~2.837 | Fragmentação do supercontinente Vaalbara. |
Não há indícios de que a glaciação Pongola tenha sido um evento global que tenha alcançado as proximidades da linha do equador. Pode ter chegado eventualmente a ~48º de latitude, sendo menos extensa que as próximas glaciações do Pré-Cambriano talvez por ter sido a única anterior ao Grande Evento de Oxidação. Ela ocorreu no contexto de crescimento da abundância das Formações Ferríferas Bandadas.
2.2.5. A transição Arqueano-Proterozoico
~2.500 milhões de anos atrás | |
Luminosidade do Sol | ~83% da atual |
Duração do ciclo dia-noite | 12,3 horas |
Temperatura | 20°C |
Concentração de O₂ na atmosfera | próxima a 0% |
Quantidade de CO₂ na atmosfera | 220.000 ppm |
2.2.5.1. As Formações Ferríferas Bandadas
As Formações Ferríferas Bandadas (BIFs) foram mais abundantes na transição Arqueano-Proterozoico, embora tenham surgido pela primeira fez no Eoarqueano, declinado em abundância no final do Paleoproterozoico, ressurgido pela última vez no Neoproterozoico e desaparecido totalmente na transição Neoproterozoico-Paleozoico. Estes seus surgimentos e desaparecimentos estão relacionados a grandes eventos geológicos que, interagindo, restringiram a evolução dos ambientes atmosférico e marinho [Klein, 2005; Raub e Kirschvink, 2008; Bekker et al, 2010; Young, 2013; Veatch e Sankaran, 2018; Yin et al, 2023].
BIFs, além de constituírem elevado interesse econômico, produziram rico registro da evolução da litosfera, da atmosfera, da hidrosfera e da biosfera da Terra. Tais registros, como o da composição química e do estado redox dos oceanos antigos, favorecem o entendimento da bioquímica dos oceanos e da atmosfera em interação com a vida microbiana antes e durante a evolução da fotossíntese oxigenada.
Supõe-se que as BIFs estejam ligadas a mudanças climáticas extremas, como grandes eventos de oxigenação (GOE e 2GOE) e glaciações, além de grandes eventos geológicos, como magmatismo, formação das crostas continental e oceânica juvenis e grandes províncias ígneas.
Isua = Cinturão Supracrustal Isua, sudoeste da Groenlândia
Zimbábue etc = Zimbábue, África do Sul; Ucrânia; Venezuela; Brasil; Austrália Ocidental
Nova Lima = Grupo Nova Lima, Brasil
Canadá e Austrália = Cinturão Greenstone, Canadá; Cráton Yilgarn, Austrália Ocidental
Carajás = Formação Carajás, Brasil
Hamersley = Grupo Hamersley, Austrália Ocidental
Itabira = Grupo Itabira, Brasil
Transvaal = Supergrupo Transvaal, África do Sul
Lago Superior = Lago Superior, EUA
Kirvoy = Série Kirvoy Rog, Ucrânia
Labrador = Labrador Trough, Canadá
Frere = Formação Frere, Bacia Nabberu, Austrália Ocidental
Rapitan etc = Grup Rapitan, Canadá; Urucum, Brasil; Supergrupo Damara, Namíbia
(Adaptado de: Azevedo et al; Callan Bentley / Klein).
A abundância de BIFs está associada a bacias locais anóxicas (mesmo durante os grandes eventos de oxidação) e ricas em ferro [Ohmoto et al, 2006; Yin et al, 2023]. Na água oxidada, o tempo de retenção de ferro é curto e sua concentração é baixa, mas em ambiente anóxico o tempo de retenção do ferro é longo e sua precipitação é desencadeada pela oxidação biológica ou abiótica. A concentração de ferro no oceano Proterozóico desencadeou o acúmulo e a precipitação de ferro ferroso dissolvido.
A repetição de ciclos de diminuição temporária de oxigênio na água seguidos de sua produção renovada causou a deposição de camadas ricas em sílica ou carbonato (quando havia escassez de oxigênio) alternadas com camadas ricas em ferro (quando havia oxigênio em quantidade adequada). Alterações na atividade vulcânica e variações na quantidade de ferro na água também foram cruciais para a característica estratificação rítmica [Lerner e Lerner, 2003].
(Crédito da imagem: Graeme Churchard).
O crescimento da abundância das BIFs é contemporâneo à evolução das cianobactérias e da fotossíntese.
2.2.5.2. As cianobactérias e a fotossíntese
No final do Arqueano, as cianobactérias [Schirrmeister et al, 2015; Guo et al, 2009] evoluíram e, através da fotossíntese, são apontadas como um dos principais responsáveis pela oxigenação da atmosfera terrestre. A oxigenação desempenhou e desempenha um papel fundamental na evolução dos ecossistemas e está fortemente associada à sobrevivência da grande maioria da vida na Terra.
Imagem (de microscopia eletrônica de transmissão com coloração verde sobreposta) de Prochlorococcus marinus, uma cianobactéria marinha de importância global.
(Crédito da imagem: Luke Thompson / Chisholm Lab e Nikki Watson / Whitehead, MIT)
Além das inovações climáticas (como o Grande Evento de Oxidação), as cianobactérias são consideradas um dos principais impulsionadores das inovações biológicas (como a multicelularidade) com forte impacto no nosso planeta. Porém, apesar de sua importância, pouco se sabe sobre a origem e a diversidade das primeiras cianobactérias por causa da escassez de depósitos fósseis no Pré-Cambriano. Entretanto há indícios de que a transição das cianobactérias unicelulares para multicelulares tenha ocorrido no Paleoproterozoico acompanhada pelo Grande Evento de Oxidação.
2.2.6. Proterozoico inferior
De 2.500 milhões a 1.600 milhões de anos atrás | |
Luminosidade do Sol | em elevação de 83 a 89% da atual |
Duração do ciclo dia-noite | em elevação de 12,3 a 16 horas |
Temperatura | ~20°C |
Concentração de O₂ na atmosfera | em elevação de ~0 a 7,5% (ou 17,5%) |
Quantidade de CO₂ na atmosfera | em declínio de 220.000 a 110.000 ppm |
2.2.6.1. O Grande Evento de Oxidação
Anteriormente, no Arqueano, em condições anóxicas e com a escassez de glaciações, os gases de efeito estufa, suficientes para compensar o "Sol jovem e fraco", mantiveram as temperaturas médias da superfície abaixo de 40 e acima de 0°C [Raub e Kirschvink, 2008; Catling e Zahnle, 2020]. No Proterozoico inferior o cenário se modificou. As concentrações de CO₂ atmosférico entraram em declínio, houve perda substancial de hidrogênio viabilizando processos de oxidação e a biosfera teve grande influência na composição atmosférica com inovações como a fixação de nitrogênio, a metanogênese e a fotossíntese (anoxigênica e oxigenada) [Lyons et al, 2014; Shih et al, 2016; Alcott et al, 2024].
Na primeira metade da história da Terra, a condição anóxica era a regra até acontecer o chamado Grande Evento de Oxidação (GOE) [Catling et al, 2005; Guo et al, 2009; Condie e O'Neill, 2010; Young, 2013; Schirrmeister et al, 2015]. Este grande evento foi constituído por [Tang e Chen, 2013]:
- oxidação da hidrosfera entre 2.500 milhões e 2.300 milhões de anos e
- oxigenação da atmosfera entre 2.300 milhões e 2.200 milhões de anos.
As concentrações de O₂ tiveram aumento apreciável e permanente, embora gradual, e deixou pistas nas rochas, como a primeira ocorrência de solos vermelhos enferrujados e o desaparecimento de minerais facilmente oxidados, como a pirita, em antigos leitos de rios. Outra consequência foi a oxigenação de uma atmosfera até então rica em metano (que é rapidamente oxidado), provavelmente principal gás de efeito estufa daqueles tempos [Lyons et al, 2014].
De qualquer forma é controverso o momento do surgimento da fonte essencial de todo o oxigênio da atmosfera terrestre, ou seja, do processo de fotossíntese produtor de O₂. Esta inovação teria precedido ou seria coincidente com o GOE? De qualquer forma, o equilíbrio entre a produção e o consumo de O₂ teve uma quebra favorável ao acúmulo de oxigênio provavelmente em um cenário de perda progressiva de hidrogênio (H₂) para o espaço, favorecendo a oxidação da superfície da Terra e criando um Sistema Aeróbico para o nosso planeta.
2.2.6.2. O Sistema Aeróbico da Terra
O surgimento do Sistema Aeróbico da Terra [Melezhik et al, 2010; Harada et al, 2015], na transição Arqueano-Paleoproterozoico, foi marcado por alguns eventos principais:
- excesso de oxigênio (conhecido como Overshoot de oxigênio) que ocorreu em um intervalo de tempo de pouco mais de 100 anos, quando a metanogênese foi suprimida, levando a um declínio nos níveis de CH₄ atmosférico, um provável aumento do intemperismo oxidativo de sulfetos continentais e remoção de ferro férrico da superfície dos oceanos;
- perturbação sem precedentes do ciclo global do carbono (conhecida como Excursão Lomagundi-Jatuli);
- enriquecimento de rochas vulcânicas com ferro férrico, resultante de oxidação do manto superior ou da alteração em larga escala da superfície da Terra por águas meteóricas e/ou subterrâneas oxidadas;
- ocorrência de produtos hidrotermais representados:
- por rochas dominadas por óxido de ferro e sílica e
- por travertino (significando alteração radical no ambiente da superfície da Terra permitindo precipitação de carbonatos hidrotermais em condições subaéreas);
- revolução no ciclo biológico de fósforo e matéria orgânica, sugerindo grande mudança na mineralização diagenética da matéria orgânica;
- acumulação de sedimentos ricos em matéria orgânica e geração de petróleo; e
- glaciação Huroniana.
2.2.6.3. A glaciação Huroniana
Considerando as glaciações de importância global, esta é a mais antiga conhecida [Williams e Schmidt, 1997; Tang e Chen, 2013; Bekker, 2014; Veatch e Sankaran, 2018]. Seu nome deriva do Supergrupo Huroniano exposto na costa norte do Lago Huron (que deu nome ao supergrupo) em Ontário, no Canadá. Foi antecedida pelo início da fragmentação do supercontinente Kenorland e por ocorrência de BIFs do Sideriano que consumiu O₂ produzido por fotossíntese.
A glaciação Huroniana é associada às mudanças climáticas características do Grande Evento de Oxidação e acompanhou as alterações drásticas que aconteceram na superfície da Terra [NASA, 2005; Kopp et al, 2005].
Causas prováveis de início e término da glaciação Huroniana.
milhões de anos atrás | causas prováveis | |
Início | ~2.450 | Evolução repentina da fotossíntese oxigenada que teria levado à redução de CO₂ atmosférico e eliminação do CH₄. |
Término | ~2.200 | Aumento do efeito estufa devido à liberação de CO₂ e vapor d'água para a atmosfera. |
A redução do CO₂ atmosférico, no início da glaciação Huroniana, teria sido causada por:
- aumento de intemperismo devido a tectônica de acreção e colisão e
- aumento do intemperismo de silicatos devido a rifteamento dos supercontinentes em baixas latitudes.
Tilito do Membro Coleman, Formação Gowganda, Grupo Cobalto inferior, Supergrupo Huroniano, do início da glaciação Huroniana, no Paleoproterozóico (~2.300 milhões de anos).
Corte da estrada do oeste do Lago Straight, ao norte de Temagami, Ontário, Canadá.
(Crédito da imagem: James St. John)
A glaciação Huroniana pode ter ocorrido em tempos distintos e em diferentes regiões da Terra, não constituindo, assim, um único evento catastrófico. Acredita-se que possa ser subdividida em quatro períodos glaciais [Raub e Kirschvink, 2008]:
- três eventos ocorreram entre ~2.450 e 2.32 milhões de anos atrás e
- o quarto evento ocorreu apenas na África do Sul, há ~2.220 milhões de anos, sendo conhecido como glaciação Makganyene.
A glaciação Huroniana foi seguida por um tempo prolongado com condições de estufa (clima quente e úmido) e por ocorrências de Red Beds.
2.2.7. Mesoproterozoico
De 1.600 milhões a 1.000 milhões de anos atrás | |
Luminosidade do Sol | em elevação de 89 a 93% da atual |
Duração do ciclo dia-noite | em elevação de 16 a 19 horas |
Temperatura | em declínio de 20 a 10°C |
Concentração de O₂ na atmosfera | entre 7,5 e 17,5% |
Quantidade de CO₂ na atmosfera | em declínio de 110.000 a 40.000 ppm |
2.2.7.1. Os Red beds
Os Red Beds (leitos vermelhos) do Pré-Cambriano foram mais abundantes no Mesoproterozoico, embora tenham ocorrido em todo o Proterozoico. Formaram-se durante a separação dos supercontinentes Kenorland, Columbia e Rodinia, preferencialmente em mares rasos quando estes mares se ampliaram [Kuang et al, 2022].
Estão associados à variações do clima e do ambiente:
- têm uma clara relação com eventos de oxidação, anomalias de isótopos de carbono, início e término de glaciações, alterações em condições climáticas e configurações geográficas;
- suas formações são controladas pelo fornecimento de Fe e O₂;
- em ambiente marinho estes leitos refletem o equilíbrio entre as reações de oxidação e redução no contexto oceânico, carregando informações sobre as alterações quanto à presença e à ausência de oxigênio;
- estão associados aos processos de intemperismo continental e aumento do suprimento terrestre de Fe e outros nutrientes para o oceano, facilitando o florescimento de estromatólitos e o aumento da produção de O₂ através da fotossíntese; e
- como suas deposições dependem do aumento de O₂ livre, que se origina predominantemente da fotossíntese e é vital para a evolução da via aeróbica, suas distribuições temporais e espaciais refletem a extensão em que os organismos produtores de fotossíntese floresceram.
Red beds do Mesoproterozoico da China:
(A) arenito quartzoso roxo claro, cinza escuro com intercalações de alguns xistos vermelho-púrpura, com marcas onduladas, da Formação Yunmengshan no norte de Ruyang, Província de Henan, China [Zhang, 2009];
(B) dolomitos e arenitos ou siltitos contendo ferro vermelho-púrpura da parte média superior do Mesoproterozóico da Formação Cuizhuang em Yiyang, província de Henan, China [Pan et al, 2020; Kuang et al, 2022];
(C) arenito eólico roxo com altos ângulos de previsão de dunas da Formação Shiyingliang na Montanha Quanji, província de Qinghai, China [Kuang et al, 2022]; e
(D) estratificação paralela de red bed da Formação Yinmin do Condado de Dongchuan, província de Yunnan, China [Kuang et al, 2022].
(Crédito das imagens: Kuang et al)
A abundância de Red Beds do Proterozoico (e especialmente do Mesoproterozoico) é comparável a de episódios mais jovens no Devoiano (Old Red Bed) e no Permo-Triássico (New Red Bed). Todos são predominantemente produtos de sedimentação em climas áridos e semiáridos, com condições redox que favorecem a precipitação de óxidos de ferro férrico durante a diagênese inicial [Parnell et al, 2018].
Os Red Beds foram depositados em todo Proterozoico em três principais intervalos de tempo:
- entre 2.500 milhões e 2.050 milhões de anos atrás,
- entre 1.800 milhões e 800 milhões de anos atrás (no Bilhão Monótono) e
- entre 800 milhões e 541 milhões de anos atrás.
Dentre estes intervalos, o segundo coincide com o chamado Bilhão Monótono.
2.2.7.2. O Bilhão Monótono
O Bilhão Monótono, longo intervalo de tempo entre 1.800 milhões e 800 milhões de anos atrás (extrapola o Mesoproterozoico em 200 milhões de anos antes e depois), é chamado assim porque neste espaço de tempo ocorreram poucas evidências de alterações climáticas drásticas (sem glaciações), assim como se mantiveram praticamente constantes a produtividade biológica e os valores anômalos de isótopos de carbono. Houve estabilidade principalmente no ambiente terrestre [Roberts, 2013; Mukherjee et al, 2018; Price, 2023].
Acredita-se que durante a maior parte deste bilhão de anos foi mantido um equilíbrio entre a intensidade do intemperismo, a luminosidade solar e as temperaturas do manto. O supercontinente Colúmbia permaneceu como uma "tampa continental" impedindo tentativas de fragmentação. Sofreu apenas pequenas modificações até a formação do supercontinente Rodínia. Isto viabilizou uma longa estabilidade na química atmosférica e oceânica da Terra. O Bilhão Monótono terminou ao ser iniciado o ciclo do Neoproterozóico com climas extremos e um segundo evento de oxidação global.
2.2.8. Proterozoico superior
De 1.000 milhões a 539 milhões de anos | |
Luminosidade do Sol | em elevação de 93 a 96% da atual |
Duração do ciclo dia-noite | em elevação de 19 a 21 horas |
Temperatura | em elevação de 10 a 30°C |
Concentração de O₂ na atmosfera | em elevação de 7,5% (ou 17,5%) a 18% |
Quantidade de CO₂ na atmosfera | em declínio de 40.000 a 4.600 ppm |
2.2.8.1. O Segundo Grande Evento de Oxidação e a Terra Bola de Neve
O Segundo Grande Evento de Oxidação (2GOE) ou Evento de Oxidação do Neoproterozoico (NOE) ocorreu concomitantemente com glaciações desencadeadas em resposta à proliferação de microorganismos fotossintéticos [Och e Zhou, 2012; Young, 2013; Casado, 2021]. O conteúdo de CO₂ da atmosfera decrescia devido ao intemperismo e ao resfriamento do interior da Terra e o supercontinente Rodínia dava os primeiros indícios de fragmentação. Iniciavam-se tempos de convulsões climáticas marcadas pelas glaciações do tipo Terra Bola de Neve [Bentley et al, 2020; Hoffman et al, 2020] que duraram entre 800 milhões e 500 milhões de anos atrás afetando drasticamente o planeta.
Em algumas sequências sedimentares da Terra Bola de Neve, as BIFs estão presentes evidenciando a química oceânica radicalmente alterada. Além disto, no decorrer do período congelado, as placas tectônicas continuaram se movimentando, viabilizando que o vulcanismo tivesse, em milhões de anos, quantidades suficientes de CaCO₃ e matéria orgânica em sedimentos do fundo do mar para a grande liberação subsequente de CO₂.
Nenhum evento Terra Bola de Neve aconteceu após o surgimento de animais bilaterais no final do Pré-Cambriano, portanto nenhum deles precisou sobreviver em ambiente tão extremo. No entanto, uma série de organismos microscópicos (como as cianobactérias) e alguns em escala de centímetro (como a Grypania spiralis) sobreviveram após as glaciações cryogenianas (Sturtiana e Marinoana) do Pré-Cambriano.
2.2.8.2. A glaciação Sturtiana
A glaciação Sturtiana [Rooney et al, 2015; Dutkiewicz et al, 2024], que ocorreu após o início da fragmentação do supercontinente Rodínia, é considerada a mais longa em tempo contínuo (sem intervalos amenos) e, portanto, a mais extrema da história climática da Terra. Seu nome deriva do Tilito Sturt do Desfiladeiro Sturt, nas Colinas de Adelaide, no sul da Austrália. Os nomes do tilito e do desfiladeiro são uma homenagem ao explorador colonial britânico Charles Napier Sturt (1795-1869).
Causas prováveis de início e término da glaciação Sturtiana.
milhões de anos atrás | causas prováveis | |
Início | ~717 |
Diminuição do efeito estufa (devido ao soterramento orgânico associado à fragmentação do Rodínia e à baixa liberação de CO₂ por dorsal meso-oceânica e por produção crustal), aumento do albedo da Terra (devido à liberação de aerossóis vulcânicos) e alta obliquidade elíptica da Terra. |
Término | ~660 | Aumento do efeito estufa com acúmulo gradual de CO₂ na atmosfera oriundo de dorsal meso-oceânica e por vulcanismo intensificado. |
A glaciação Sturtiana foi seguida pela máxima intensidade da ruptura pós-Rodínia (anterior à formação do supercontinente Panótia) e por rápida diversificação da vida pós-glacial causada pela alteração das condições químicas e de estado redox dos oceanos.
A Formação Jequitaí, do Grupo Bambuí, na borda Oeste do Cráton São Francisco, em Vila Boa, Goiás, Brasil, apresenta sedimentos glaciogênicos (com pavimentos estriados, clastos pingados e carbonatos de capa sobrepostos) do período final da glaciação Sturtiana [Martins-Ferreira et al, 2013].
O recuo glacial rápido e a evolução rápida do aquecimento teriam favorecido a precipitação de carbonatos de capa assentados sobre depósitos glaciais em menos de 1 milhão de anos. Este período interglacial cryogeniano de efeito estufa [Zhou et al, 2021], causado por vulcanismo intensificado, foi seguido pela glaciação Marinoana também do tipo Terra Bola de Neve.
2.2.8.3. A glaciação Marinoana
A glaciação Marinoana [Williams et al, 2008; Rooney et al, 2015; Lan et al, 2022] está associada a tectônica extensional e a magmatismo. Seu nome deriva do episódio glacial Época Marinoana que ocorre no sul da Austrália. Ainda nesta região são encontrados outros indícios glaciais do mesmo episódio, embora sejam agrupados com o nome local de glaciação Elatina cujo nome deriva da Formação Elatina do Subgrupo Yerelina.
Afloramento de diamictito da Formação Elatina no Parque Nacional Flinders Range, sul da Austrália, representante da glaciação Marinoana. A escala é dada pela moeda de um dólar australiano.
(Crédito da imagem: Bahudhara).
Causas prováveis de início e término da glaciação Marinoana.
milhões de anos atrás | causas prováveis | |
Início | ~651 | Diminuição do efeito estufa do período interglacial cryogeniano devido à queda da atividade vulcânica extensiva e continuação do intemperismo de silicatos. |
Término | ~635 | Aumento do efeito estufa pelas emissões vulcânicas de CO₂. |
Ao final da glaciação Marinoana, a maior parte do CO₂ emitido para a atmosfera era associada à expansão e subducção do fundo do mar (magmatismo de arco), processos contínuos em escalas de tempo geológicas. Para aumentar drasticamente as emissões de CO₂, deve ter havido muitas zonas de rift ativas durante a glaciação. O início do vulcanismo pronunciado aconteceu há 640 milhões de anos.
Esta glaciação foi seguida por rápida diversificação de eucariotos complexos. Estava quase tudo pronto para a explosão cambriana da vida animal. Quase porque ainda era preciso um sistema de proteção extra: a chamada Camada de Ozônio.
2.2.8.4. A Camada de Ozônio
O oxigênio produzido pelos eventos de oxidação chegou para proteger a superfície da Terra da radiação solar com comprimentos de onda abaixo de 230-240 nm (nanômetro = 1 bilionésimo de metro), mas não acima de ~245 nm. Para isto é necessário que seja produzido ozônio [Calvert et al, 2015].
Produção natural de ozônio estratosférico por processo de reação de duas etapas.
Na primeira etapa, a radiação ultravioleta (UV) solar (luz solar) quebra uma molécula de oxigênio para formar dois átomos de oxigênio separados.
Na segunda etapa, cada átomo de oxigênio colide com uma molécula de oxigênio (O₂) e forma uma molécula de ozônio (O₃) em uma reação de ligação.
Na reação geral, a luz solar mais três moléculas de oxigênio (uma na etapa 1 e duas na etapa 2) reagem para formar duas moléculas de ozônio.(Adaptado de: Salawitch et al).
Mesmo com o crescimento da concentração de oxigênio, uma camada de ozônio (suficiente para oferecer um escudo UV eficaz para proteger a vida na terra) foi formada somente há ~600 milhões de anos. Aproximava-se a transição entre o Pré-Cambriano e o Paleozoico.
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