18 de novembro de 2019

As três primeiras minas brasileiras de cobre nos séculos XIX e XX: suas histórias

Por Marco Gonzalez

Datam do século XIX as primeiras ocorrências de cobre encontradas no Brasil:
  • Mina de Pedra Verde, no Ceará, em 1833;
  • Minas do Camaquã, no Rio Grande do Sul, em 1865; e
  • Mina da Caraíba, na Bahia, em 1874.
A Mina de Pedra Verde está localizada na base da Serra da Ibiapaba, no distrito de General Tibúrcio do município de Viçosa do Ceará, no estado cearense. Esta mina foi explorada com algumas interrupções por 107 anos, de 1880 a 1987.

As Minas do Camaquã estão localizadas no 3° distrito de Caçapava do Sul, a 70 km da sede do município. A jazida fica a 300 km do porto de Rio Grande, por onde o concentrado de cobre produzido era enviado para a metalurgia da Caraíba Metais, em Camaçari, na Bahia. As Minas do Camaquã foram exploradas também com algumas interrupções por 126 anos, de 1870 a 1996.

Vista da Vila São Luiz, nas Minas do Camaquã, em 1977. Em primeiro plano, mais à esquerda e abaixo, é possível ver o silo e o viaduto utilizado para transporte do minério por vagonetas, construídos pelos belgas por volta do ano 1900 (fonte: Gonzalez)

A terceira mina, constituída pelo depósito de cobre da Mineração Caraíba, está localizada no Distrito de Pilar, município de Jaguarari, no norte da Bahia, no Vale do Curaçá. Este depósito é explorado desde 1974.

As descobertas das ocorrências de cobre

1833
O engenheiro de minas e barão alemão Wilhelm Eschwege publicou, na Alemanha, o primeiro relato sobre o cobre no filito Pedra Verde, do Ceará, no livro "Pluto Brasiliensis".

Neste mesmo ano, o escocês Charles Lyell finalizava a publicação de "Principles of Geology".
A partir de 1850, a química orgânica viabilizava o surgimento da indústria dos explosivos e, em 1853, era inventada na Alemanha uma perfuratriz semelhante às de ar comprimido modernas.

1857
Vinte e dois anos após a publicação de Eschwege, foi registrada a primeira menção oficial no Brasil sobre Pedra Verde em um litígio relacionado à posse de terras no Ceará.

Em meados do século XIX, o processo de flotação despertava interesse na mineração.
Até o final do século XIX, as rochas brasileiras eram "perfuradas" com ponteiras e marretadas e desmontadas com pólvora caseira.

1865
No Brasil, o Sr. João Dias dos Santos Rosa havia encontrado rochas esverdeadas em suas terras no município de Caçapava do Sul, RS. Ele mostrou uma delas a D. Pedro II, durante a estada do Imperador brasileiro naquele município, e este escreveu uma carta a engenheiros ingleses, que mineravam em Lavras do Sul, para analisarem o material. A pedra foi enviada à Inglaterra e, cerca de seis meses depois, veio a confirmação de que se tratava de cobre.

Em 1867, o engenheiro sueco Alfred Nobel inventava a dinamite e, em 1877, o Canadá instalava redes telefônicas em minas subterrâneas.

1870
A carta de D. Pedro II acabou tendo consequências. De 1870 a 1887, engenheiros ingleses da empresa "The Rio Grande Gold Mining Limited" iniciaram a minerar nas Minas do Camaquã com a abertura de uma galeria conhecida como “galeria dos ingleses”.

1874
Neste meio tempo, em 1874, foi descoberto o depósito mineral da Mina Caraíba no Vale do Curaçá, no atual município de Jaguarari, na Bahia.

Os franceses, os alemães e os belgas

Em 1877, os irmãos Bessel, alemães, patenteavam um processo de flotação semelhante ao atual.
Em 1879, uma planta experimental para refinar cobre por eletrólise era operada na Pensilvânia, EUA.

1880
Por volta de 1880, mineradores franceses iniciaram a exploração do minério de cobre oxidado em Pedra Verde. Ele era transportado por animais até o porto de Camocim, no Ceará, onde embarcava com destino à França.

Resquícios da entrada da Mina de Pedra Verde na base da Sera de Ibiapaba (cortesia de José Henrique Matos)

Em 1883, o refino eletrolítico do cobre era demonstrado experimentalmente por  Maximilian de Beauharnais, 3º duque de Leuchtenberg.
Até 1888, na época do Império, praticamente não havia estrutura industrial no Brasil. No final deste período, a iniciativa privada era responsável pela mineração. Ingleses, belgas e franceses vinham ao Brasil para retomar minas que necessitavam de novas tecnologias.

1888
De 1888 a 1899, empresários alemães extraíram manualmente minério das Minas do Camaquã com 15 a 20% de cobre. O metal, transportado em carros de boi por 90 quilômetros até uma estação de trens, seguia então para o porto de Rio Grande para tomar o destino da Inglaterra. Estes trabalhos foram interrompidos devido ao alto custo do transporte e à queda do preço do cobre.

1899
As Minas do Camaquã foram vendidas à Companhia Belga (“Societé Anonime des Mines de Cuivre de Camaquan”) que investiu em infraestrutura, instalando uma usina de beneficiamento e construindo uma barragem para fornecimento de energia.

Estudos geológicos do depósito de Pedra Verde  

A partir da década de 1890, na Inglaterra, a iluminação das minas passava a usar gás de acetileno.
No Brasil, de 1889 a 1929, na primeira República, o crescimento econômico e as importações exigiam esforço do governo em busca de minérios.

1900
No início do século XX, diversos geólogos visitaram a ocorrência de Pedra Verde na Serra da Ibiapaba, no Ceará.

Breve retomada nas Minas do Camaquã  

1901
A lavra das Minas do Camaquã foi retomada pela Companhia Belga, sendo aberta a chamada "galeria belga" no lado oposto à antiga "galeria dos ingleses". Houve desenvolvimento subterrâneo expressivo para época, com extração de minério com até 30% de cobre. Foram exportadas 90 a 100 toneladas mensais para a Inglaterra em sacos de lona.

1909
A Companhia Belga encerrou as atividades nas Minas do Camaquã devido à queda do preço do cobre, à descoberta de minas no Congo-Belga e ao alto custo dos transportes.

Parte do museu das Minas do Camaquã, em 1978. Esta máquina à vapor com rolo compactador, fabricada por Aveling & Porter, foi negociada como parte da multa contratual aplicada aos belgas pela rescisão do contrato em 1909. A bomba de gasolina Dresser Wayne de 1928, em primeiro plano, também foi usada na mina (fonte: Gonzalez)

Diminuindo a dependência da importação de cobre  

No Brasil, de 1930 a 1945, na Segunda República, a industrialização tinha algum crescimento, sendo criadas empresas e instituições estatais. A indústria mineral crescia com a responsabilidade de fornecer insumos básicos.
De 1928 a 1936, o Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil realizava prospecção metalífera no RS, com continuidade, de 1937 a 1940, pelo Serviço de Fomento da Produção Mineral.
Na década de 1930, lâmpadas com bateria desciam às minas subterrâneas, e várias melhorias aconteciam em intensidade de luz, duração da bateria e peso.

1939
As Minas do Camaquã foram registradas no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).

1942
Para diminuir a dependência do cobre importado, foi fundada a Companhia Brasileira de Cobre (CBC), nas Minas do Camaquã, sendo principais acionistas o governo do Rio Grande do Sul e a Laminação Nacional de Metais, pertencente ao Grupo Pignatari.

A 2ª Guerra Mundial havia aumentado a demanda por metais e no Brasil era provocada uma corrida ao minério de cobre.

1944
O DNPM identificou o potencial produtivo da Mina Caraíba e, nas Minas do Camaquã, foi instalado um concentrador de minério com capacidade para 120 toneladas/dia.

Pesquisa em Pedra Verde e nas Minas do Camaquã  

De 1946 a 1964, na Terceira República, era adotada uma política liberal no Brasil, seguida de curto período nacionalista com a criação da Petrobras. Aconteciam grandes obras e endividamento externo. A obsoleta indústria mineral, de porte médio, atendia o mercado interno.

1946
Após a Segunda Guerra Mundial, foram realizados estudos para cubagem e definição do tipo do depósito de Pedra Verde. 

1947
A Klockner & CO iniciou campanhas de exploração mineral executando sondagens e abrindo galeria subterrânea com 80 metros de extensão em Pedra Verde. 

1948
Foi descoberto um novo filão nas Minas do Camaquã e foram distinguidos dois setores denominados Mina Uruguai e Mina São Luiz.

1949
Em 1949 e 1950, em novos estudos, a mineralização do filito Pedra Verde passou a ser considerada jazida.


Filito Pedra Verde com foliação milonítica e coloração cinza escuro (cortesia de José Henrique Matos)

1950
Na década de 1950, a Revere Copper & Brass (através da Indústria Sul-Americana de Metais SA) abriu mais alguns metros de galeria subterrânea em Pedra Verde e executou furos de sondagens.

A organização da mineração brasileira e o controle estatal

1954
As atividades de lavra e beneficiamento das Minas do Camaquã, iniciadas em 1944, ganharam certa regularidade.

1956
A capacidade de beneficiamento das Minas do Camaquã passou a 800 toneladas/dia de minério.

1957
De 1957 a 1974, o Grupo Pignatari assumiu o controle acionário da CBC, nas Minas do Camaquã, lavrando as minas subterrâneas semi-mecanizadas São Luiz e Uruguai e produzindo concentrado de cobre.

1958
De 1958 a 1968, em contrato de assistência técnica, a Mitsubishi Metal Mining Co dirigiu mineração, beneficiamento e pesquisa nas Minas do Camaquã.

Em 1964, com o regime militar, surgiam no Brasil empreendimentos multinacionais. Havia crescimento econômico com participação de capital estrangeiro. O setor mineral se voltava à demanda externa, principalmente com a Companhia Vale do Rio Doce. A mineração brasileira, a partir de 1968, registrava taxas de crescimento anuais de mais de 10%.

1969
As Minas do Camaquã passaram a ser dirigidas pela equipe técnica da CBC, com orientação técnica da Geotemi. Também foram iniciados estudos de viabilidade da Mina Caraíba e foi estabelecida uma planta de metalurgia em Dias D'Ávila, na Bahia, para produção de cobre eletrolítico.

1971
Foi inaugurado o poço de acesso da mina São Luiz, com 210 metros de profundidade, e a capacidade de beneficiamento alcançou 1.500 toneladas/dia de minério. Em Pedra Verde, de 1971 a 1979, a Promisa deu prosseguimento às pesquisas, mas o financiamento solicitado ao BNDES não foi aprovado.

Estrutura do poço do elevador e entrada da Mina São Luiz, nas Minas do Camaquã. É possível ver o maquinário utilizado antigamente na mina, nos trilhos que levam à "galeria dos belgas", cuja entrada aparece parcialmente no limite da foto, à esquerda (cortesia do blog diegoelaisaporaidemoto)

1974
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) passou a ter o controle do empreendimento da Mina Caraíba e, neste ano, a então Caraíba Metais SA iniciou a exploração comercial desta mina, tornando-se a única produtora de cobre eletrolítico do Brasil. Nas Minas do Camaquã, a Fibase (BNDES) assumiu o controle acionário da CBC e foram realizadas pesquisas com montagem de novo plano de lavra com a colaboração da Rio Doce Geologia e Mineração (Docegeo – subsidiária da Companhia Vale do Rio Doce, atual Vale) e da Companhia Rio-Grandense de Mineração (CRM).

Pesquisa nas Minas do Camaquã e lavra a céu aberto na Mineração Caraíba

1975
A mineração das Minas do Camaquã foi suspensa devido à condição deficitária da lavra e à desativação da metalurgia da Caraíba Metais, a única que utilizava o concentrado de cobre produzido no RS. Então, de 1975 a 1977, foi executada intensa pesquisa geológica, visando novo plano de lavra, que incluia mapeamento, sondagens de superfície e de subsolo e levantamento geofísico sob a orientação da Docegeo.

1979
Na Mina Caraíba, a lavra a céu aberto teve início. Também foi iniciado o Projeto Expansão Camaquã com pesquisa de detalhamento para a lavra subterrânea na Mina São Luiz e a céu aberto na Mina Uruguai. Este projeto teve a orientação da Milder Kaiser Engenharia SA, da Paulo Abib Engenharia SA e do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento (CEPED), com acompanhamento técnico da CBC.

Novas retomadas nas Minas do Camaquã e em Pedra Verde 

1981
Nas Minas do Camaquã, foi construída a barragem de rejeitos atual e retomada a mineração agora nas lavras subterrâneas (Minas São Luiz e Uruguai) e céu aberto (Mina Uruguai). A produção prevista era de 12 mil toneladas/ano de cobre contido no concentrado. Passou a ser utilizado o método sublevel stoping na lavra subterrânea, com painéis de 60 metros de altura. A nova unidade de concentração passou a tratar 5.500 toneladas/dia de minério.

Em 1981, era descoberto o jazimento da Mina Escondida após programa de exploração sistemático no norte do Chile, realizado pela Getty Minerals e pela Utah International Inc.

1983
A Guanordeste Comércio e Mineração Ltda se instalou na região de Pedra Verde para implantar uma unidade para a produção de cimento de cobre com capacidade de 100 toneladas/dia.

1984
Em julho, a Guanordeste iniciou os trabalhos de lavra a céu aberto e de tratamento do carbonato de cobre.

Na década de 1980, as reservas de Salobo, na Serra dos Carajás, no Pará, faziam com que a Mineração Caraíba deixasse de ser a maior jazida brasileira de cobre.
Em 1985, a maior mina de cobre do mundo, a Escondida chilena, com a mais alta tecnologia de mineração da época, estava preparada para a lavra, tendo sido adquirida pela BHP e pela Texaco que, posteriormente, retirou-se dando lugar à britânica RTZ, à japonesa JECO e a uma corporação do Banco Mundial.

Chegam ao fim as atividades de mineração nas Minas do Camaquã e em Pedra Verde

A partir de 1985, o Brasil se consolidava como um dos cinco maiores produtores e exportadores mundiais de minério. Grande parte da produção era exportada, gerando notáveis divisas, embora sem valor agregado substancial.

1986
As Minas do Camaquã foram a principal fonte de cobre no Brasil, até 1986, quando iniciou a operação da lavra subterrânea da Mina Caraíba.

O consumo mundial de cobre crescia nas décadas de 1960 e 1970, produzindo uma tendência de elevação praticamente contínua nos preços deste metal nestes períodos.

Evolução do preço do cobre (fonte: macrotrends).
As faixas verticais indicam períodos de recessão.

Posteriormente, os preços do cobre apresentavam tendência de queda em dois períodos por volta das década de 1980 e de 1990. Nesta época, novas tecnologias serviam para reduzir os custos de produção. Após 2000, o preço do cobre se quadruplicava refletindo o aumento da demanda da China.

1987
O BNDES assumiu o endividamento bancário da CBC causado por características inerentes à extração do minério nas Minas do Camaquã e por oscilações internacionais do preço do cobre, com quedas no final dos anos 1970 e no início dos anos 1980. Para tornar o fluxo de caixa superavitário, o preço de venda do concentrado de cobre produzido no RS passou a ser fixado em níveis equivalentes aos do concentrado importado, acrescido dos custos de internação no país.

1988
Nas Minas do Camaquã, a CBC foi a leilão sem sucesso. Neste mesmo ano, a Caraíba Metais SA iniciou processo de privatização, passando a pertencer ao grupo de mesmo nome, com desmembramento das atividades de mina e metalurgia. Em 1988, a Mineração Caraíba contribuiu com 80% da produção nacional de cobre, a CBC, nas Minas do Camaquã, com 18% e a Guanordeste, em Pedra Verde, com apenas 630 toneladas, pois a produção de cimento de cobre, oriundo de lixiviação, foi paralisada. Este produto era vendido a indústrias de ligas de São Paulo. A tabela a seguir apresenta a capacidade da usina de concentração, neste ano, em cada mina.

Capacidade instalada
das usinas de concentração
em 1988
Mina
Cobre contido
(t/ano)
Mina Caraí­ba
60.000
Minas do Camaquã
12.000
Mina de Pedra Verde
1.000
Capacidade instalada das usinas de concentração em 1988 (fonte: DNPM)

No final da década de 1980, era instalado o Polo Petroquímico de Camaçari, na Bahia, a única planta metalúrgica do país para cobre eletrolítico.

1989
Os empregados da CBC fundaram a Bom Jardim SA e adquiriram o controle acionário do empreendimento nas Minas do Camaquã.

1990
A partir deste ano, com a área sob concessão de lavra pertencente à Extrativa Fertilizantes SA, houve tentativas de retomada da mineração em Pedra Verde sem sucesso.

1994
A Caraíba Metais SA entrou no Programa de Privatização Nacional, recebendo o nome de Mineração Caraíba SA.

1996
Na Mina Caraíba, em outubro, foi iniciada a lavra subterrânea com método sublevel stopping. Também neste ano, nas Minas do Camaquã, houve o esgotamento das reservas economicamente viáveis conhecidas.

Chega ao fim o século XX

1998
Aconteceu a exaustão do projeto inicial da Mina Caraíba através da operação simultânea das lavras a céu aberto e subterrânea. As atividades continuaram com novo método de lavra, o VRM (Vertical Retreat Mining), com sistema de enchimento paste fill. Este novo método permitiu maior recuperação do minério, maior segurança e menor custo.

Cava da lavra à céu aberto da Mina Caraíba na década de 1990 (cortesia da Mineração Caraíba)

Com a supremacia da Vale, a mineração de cobre brasileira passava a sofrer alterações no final do século XX, sendo introduzidas novas tecnologias no setor, especialmente na lavra e na concentração. A Mineração Caraíba passava a investir em modernização para aumentar a vida útil do empreendimento e viabilizar o tratamento de minérios antieconômicos ou não suscetíveis à concentração convencional, além de atenuar os impactos ambientais.



Leia também:

As três primeiras minas brasileiras de cobre nos séculos XIX e XX: geologia e mineralização

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