1 de março de 2019

Minério de Ferro: produção em crise

Por Marco Gonzalez

O mercado global de minério de ferro está sob pressão devido a um choque na oferta, depois do rompimento da barragem de Brumadinho em 25 de janeiro de 2019, que colocou em risco uma quantidade que pode chegar a 70 milhões de toneladas no fornecimento anual.

A crise afeta a produção de minério de ferro não apenas na quantidade, mas também na qualidade. A produção da Vale de finos e pelotas de minério de ferro de alta qualidade supera a de seus principais concorrentes australianos, Rio Tinto e BHP.

Mineração de minério de ferro a céu aberto em Itabira, MG, da Vale, com previsão de exaustão em 2028, embora esta data possa ser prorrogada com a mineração de minério de menor qualidade (Foto: Josue Marinho)

Aplicações

O principal destino do minério de ferro (98%) é a fabricação de aço, tendo os 2% restantes as seguintes principais aplicações:

  • ferro em pó, para certos tipos de aços, ímãs, autopeças e catalisadores;
  • ferro radioativo (ferro 59), para usos na medicina ou como um elemento traçador em pesquisas bioquímicas e metalúrgicas;
  • pigmento azul, em tintas, plásticos, cosméticos, corantes para obras de arte, tingimento de papel, fertilizantes, acabamentos esmaltados em veículos e eletrodomésticos e acabamentos industriais;
  • óxido de ferro preto, como pigmento em compostos de polimento, na metalurgia, na medicina, em tintas magnéticas e na indústria eletrônica.

Reservas

Em 2017, as reservas mundiais de minério de ferro somavam 170,4 bilhões de toneladas.

Reservas de minério de ferro em 2017 (Fonte: USGS)

Produção

Em 2017, os cinco principais países produtores de minério de ferro alcançaram 79,8% da produção global.

Produção de minério de ferro em 2017 (Fonte: USGS)

Antes do rompimento da barragem de Brumadinho, no final de 2018, previa-se que o mercado global de minério de ferro permaneceria bem suprido até 2027, graças à desaceleração na produção de aço na China e à expansão da produção no Brasil e na Índia. Vale SA, Rio Tinto Group e BHP Billiton Ltd., conforme dados do final de 2018, juntas produziam quase a metade do minério de ferro global.

Preço

preço do minério de ferro, no final de 2018, estava abaixo do valor de décadas atrás, quando alcançou o pico de US$ 197/tonelada em 2008.

Variações do preço do minério de ferro desde 2014 (Fonte: BBC)

Após o desastre de Brumadinho, o preço do minério de ferro aumentou devido a preocupações com a oferta. Nos primeiros quinze dias de fevereiro de 2019, eles se elevaram em 18%, alcançando níveis superiores aos valores registrados desde o final de 2014. Analistas acreditam que os resultados da tragédia brasileira serão sentidos ainda por algum tempo.

Variações do preço do minério de ferro desde o início de 2018 (Fonte: ABC)

As mineradoras rivais da Vale têm se beneficiando com o preço elevado do minério de ferro. Notícias no final de janeiro de 2019 informavam que o Fortescue Metals Group, com sede na Austrália, viu suas ações subirem 12% nos últimos três pregões. As ações da Rio Tinto e da BHP haviam aumentado 7% e 4%, respectivamente.

No Brasil

Ao longo da nossa história, com a evolução do conhecimento geológico, as descobertas de depósitos minerais metálicos, onde o ferro assume grande importância, impactaram de forma relevante a economia nacional e o processo de industrialização brasileiro.

O Brasil tem apresentado vantagens comparativas naturais resultando em liderança internacional, tanto em reservas, quanto em produção de minério de ferro. Em valores de receita, o minério de ferro é o segundo produto mais importante nas exportações brasileiras, perdendo apenas para os produtos da cadeia de soja. Dentre os bens minerais, o minério de ferro assume o topo da lista.

Distribuição das substâncias minerais nas exportações brasileiras em 2017 (Fonte: MDIC Sistema AliceWeb - Elaboração IBRAM 2018)

O Plano Nacional de Mineração 2030, de 2011, projetou uma produção de minério de ferro de 797 milhões de toneladas para 2022 e 1.098 milhões de toneladas para 2030.

No 1º semestre de 2018, o minério de ferro foi responsável por 67,7% das receitas da CFEM (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais) no Brasil.

Em 2016, Minas Gerais foi responsável por 68,8% da produção de minério de ferro brasileira, seguido pelo Pará com 29,4%. A Vale S. A., com mineração em Minas Gerais e no Pará, participou com 77,24% desta produção. No terceiro trimestre de 2018, a Vale havia superado a barreira de produção de 100 milhões de toneladas de finos de minério de ferro em um trimestre.

Localização das principais reservas de ferro no Brasil (Fonte: ANM - dados de 2016)
A região do Quadrilátero Ferrífero inclui Barão de Cocais, Brumadinho, Catas Altas, Congonhas, Itabira, Itabirito, Itatiaiuçu, Itaúna, Mariana, Ouro Preto, Rio Acima, Rio Piracicaba, Santa Bárbara, São Gonçalo do Rio Abaixo e Sarzedo.

Apesar da tragédia em Minas Gerais impor grave crise ao setor de mineração no Brasil, com operações suspensas nas minas de Vale, as quatro primeiras semanas de fevereiro de 2019 superaram em 7,8% a exportação brasileira de minério de ferro no mesmo período em 2018. A média diária foi de 1,4 milhão de toneladas de minério de ferro em fevereiro de 2019 contra 1,3 milhão de toneladas em fevereiro de 2018.

Por outro lado, a tragédia teve efeitos colaterais no mercado interno de minério de ferro no Brasil, especificamente quanto a pelotas de ferro, um produto de alto valor agregado. Este produto, que se destina aos altos-fornos das siderúrgicas, teve de vir de mais longe e com qualidade inferior.

Perspectivas

O Conselho Internacional de Mineração e Metais (ICMM), cujos membros incluem Glencore, BHP Group e 25 outros, afirmou que, até o fim do ano de 2019, um comitê irá revisar e estabelecer padrões internacionais de projetos e manutenção para barragens de rejeitos de atividades minerárias, assim como para respostas a emergências. Atualmente tais padrões não existem.

No Brasil, uma resolução federal de 15 de fevereiro de 2019 proibiu a utilização do método de construção ou alteamento de barragens de mineração denominado "a montante" em todo o território nacional.

À medida que a crise se desenrola, investidores, usuários e produtores analisam uma série de incógnitas, como a quantidade de oferta que a Vale realmente perderá neste ano e no próximo. Outras variáveis estão relacionadas à China, à Austrália e também à Índia.

A solução para estabilizar o mercado de minério de ferro dificilmente virá da China devido às rigorosas restrições ambientais daquele país. Suas minas de minério de ferro não aumentarão a produção para suprir qualquer problema de oferta mundial.

Da Austrália talvez não se possa também esperar muito a curto prazo. Tanto a BHP quando a Rio Tinto têm pouco espaço para compensar as perdas da Vale já que se concentrarem nos últimos anos na maximização dos lucros e não no aumento dos volumes. No final de 2018, a Rio Tinto planejava para 2019 o início de uma mineração de grande porte de minério de ferro em Pilbara, mas as primeiras toneladas só serão extraídas em 2021.

O aumento do preço do minério de ferro trouxe alívio aos produtores indianos em dificuldade. Talvez seja possível esperar algum aumento na produção deste país já que em 2018 a Índia alcançou apenas 70% de sua capacidade nominal de produção e somente 15% dela foi exportada.

É preciso aguardar para ver o que acontece durante 2019.


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