Bactérias em um grão de ouro da mina Hit or Miss da Austrália (Imagem de varredura eletrônica por CSIRO)
As atividades de mineração, realizadas há milhares de anos, prestam inestimável serviço disponibilizando metais de uso industrial, como cobre, ferro, ouro e vários outros. Por outro lado, embora as empresas de mineração modernas busquem programas sustentáveis, incluindo a gestão de rejeitos, reconhece-se ainda a sua responsabilidade por danos ao meio ambiente.
Neste sentido, a biomineração é uma alternativa importante (i) para o tratamento de depósitos minerais de alto teor com difícil ou dispendiosa extração mecânica ou química e (ii) para a extração de metais em materiais de baixo teor, como rejeitos ou aqueles deixados para trás em minas já trabalhadas.
A biotecnologia aplicada à mineração proporciona métodos mais econômicos que geralmente não produzem emissões nocivas e reduzem a poluição de resíduos contendo metais.
Conceitos básicos
Biomineração é um termo geral, da área da biotecnologia, que abrange biolixiviação e bio-oxidação.
Na biolixiviação, o metal de interesse econômico, contido em sulfeto, é liberado em solução aquosa. Micro-organismos acidófilos são usados para facilitar essa liberação. É usualmente adotada para cobre, cobalto, níquel, zinco, urânio, mas já ficou demonstrado que micro-organismos podem extrair também cálcio, cadmio, antimônio, chumbo, gálio, índio, manganês e estanho. No caso do cobre, a biolixiviação é comumente aplicada em minerais sulfetados secundários.
Na bio-oxidação acontece o rompimento das estruturas cristalinas do mineral sulfetado através da sua oxidação, permitindo recuperação em etapa posterior. Não há dissolução de metal, os micro-organismos são aplicados apenas para oxidar a matriz sulfetada antes da etapa de cianetação. Ainda que a biolixiviação seja bastante adequada para ouro e prata, também é possível utilizá-la em sulfetos de cobre, zinco e cobalto. Pirita, arsenopirita, pirrotita e estibinita são alguns dos minerais suscetíveis à bio-oxidação.
Abordagens para biolixiviação:
- In situ. A solução com micro-organismos é bombeada para a mina e injetada no minério. O lixiviado resultante é bombeado para a superfície onde o metal é recuperado.
- Em rejeitos ou despejos. O material triturado é pulverizado com água acidificada para garantir o crescimento dos micro-organismos. Os metais são coletados por precipitação a partir do material lixiviado. A solução percolante (sem metal) pode retornar à pilha.
- Com biorreatores. São utilizados tanques de agitação altamente aerados onde o minério finamente moído é tratado. Muitas vezes, os nutrientes são adicionados sendo o biorreator operado de forma contínua. O processo pode levar dias. É ideal para minérios que não podem ser descartados em despejos.
Área de rejeito da mina Escondida de cobre-ouro-prata no norte do Atacama, Chile. A mancha esverdeada localiza o material recém depositado com cobre desperdiçado que, a seguir, seca tornando-se esbranquiçado no restante do rejeito (foto por astronautas da Expedição 22)
A biomineração apresenta as seguintes vantagens:
- baixa exigência energética, quando comparada a processo pirometalúrgico convencional;
- economia de insumos necessários em comparação aos processos hidrometalúrgicos convencionais (ácidos e agentes oxidantes) já que o próprio micro-organismo os produz a partir do minério;
- redução de mão de obra especializada e
- facilidade de processamento de minérios dificilmente beneficiados por métodos convencionais.
- maior simplicidade;
- menor custo;
- aplicação em resíduos;
- utilidade para recuperação de metais de alto custo quando outros processos químicos são inviáveis;
- sem necessidade de altas pressão e temperatura;
- aplicabilidade ideal para minérios de sulfureto de baixo teor e
- ausência de emissões de dióxido de enxofre e de outros prejuízos ao meio ambiente.
Podem ser consideradas desvantagens da biolixiviação o maior tempo de consumo, a grande área (quando necessária) para o tratamento de resíduos e a possível falta de controle no processo protagonizado pelas bactérias.
Desafios e avanços
A motivação principal vem da crescente demanda de metais, particularmente cobre, além de zinco, ouro, níquel, prata, cádmio, dentre outros.
Atualmente, a biomineração não é apenas uma tecnologia promissora, mas uma alternativa economicamente viável para o tratamento de minérios específicos. A meta principal reside na viabilização de micro-organismos que se adaptem ao processo e que demonstrem melhor desempenho.
Histórico
Há indícios de que a recuperação de cobre em água de drenagem de mineração era prática generalizada já no ano 1000 a.C., na bacia do Mediterrâneo, e, no século XVIII, as Minas de Rio Tinto já adotavam a lixiviação de cobre em grande escala. Não se sabia, então, que as bactérias participavam ativamente desses processos.
Minas de Rio Tinto na Espanha (por Edmundo Sáez)
Um breve histórico recente da biotecnologia aplicada à mineração inicia em 1947, quando foi demostrado o papel das bactérias na biolixiviação. Em 1950, já havia notícias sobre cobre lixiviado a partir de rejeitos. Na década de 1960, aconteceu a primeira operação de lixiviação industrial de cobre. Em 1986, houve a primeira bio-oxidação em minérios refratários de ouro em escala industrial, realizada na mina de Fairview, na África do Sul.
Industrialmente, a primeira aplicação de biorreatores em grande escala ocorreu com processo desenvolvido pela Gencor, posteriormente (início da década de 1990) aplicado na mina de São Bento Mineração, no Brasil. O processo já encerrado destinava-se à oxidação parcial de minérios refratários de ouro.
A biolixiviação para recuperação de cobre cresceu consideravelmente a partir do ano 2000 e estima-se que hoje seja responsável por mais de 20% da produção mundial deste metal. Dados de 2003 indicam que os maiores produtores mundiais de cobre por biolixiviação eram o Chile, a Austrália e os Estados Unidos, tendo também produções significativas o Peru e a China.
De 1991 a 2015, os países ou setores com maior número de patentes com prioridade em biolixiviação eram: China (com 74 patentes), EUA (72), Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes (50), Canadá (41), África do Sul (25), Escritório Europeu de Patentes (23), México (16), Escritório de Patentes da Eurásia (8), Rússia (7), República da Coreia (6) e Organização Regional Africana de Propriedade industrial (5). Com 3 patentes ou menos seguiam Portugal, Alemanha, Japão, Israel, Peru e Singapura.
Algumas experiências
A biolixiviação tem sido pesquisada principalmente para cobre, urânio, ouro, prata e sílica e as experiências comercialmente bem-sucedidas tratam de ouro, cobre e urânio.
Um grupo de pesquisadores de universidades canadenses, juntamente com empresas de engenharia e mineração, estão atuando em todo o Canadá, desde as minas de níquel em Sudbury até as minas de carvão na Colúmbia Britânica. Uma parte da equipe pretende tratar rejeitos usando biorreatores. Outro grupo analisa o material residual separado antes do processo de refinação. Um terceiro grupo concentra-se em resíduos de minas de carvão. Estima-se que possam ser recuperados até US$ 7 bilhões em níquel nos rejeitos de Sudbury.
O Chile, para manter seu nível de produção de cobre, introduziu com sucesso a biolixiviação em minerais secundários e calcula-se que desta forma foram produzidos aproximadamente 10% daquele metal no país. Em futuro próximo, essas operações devem se estender a minerais primários, dos quais há vastas reservas chilenas.
O Zimbabue pretende utilizar biomineração para extrair ouro, cobre e outros metais para reduzir os elevados custos de produção. Podem ser tratados mais de 650.000 t de minério de resíduos, gerando mais de US$ 256 milhões de retorno.
Bactérias em processo de digestão anaeróbica em zeolita (Imagem de varredura eletrônica por Stefan Weiss)
Algumas experiências brasileiras
Um grupo do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista, de Araraquara, estuda biolixivação e biohidrometalurgia em cobre, níquel e ouro.
No Centro de Tecnologia Mineral (Cetem) do Rio de Janeiro, a Unidade Semi-Piloto de Biolixiviação tem trabalhado visando a redução de gases poluentes na extração de cobre.
A Universidade de São Paulo e a Vale desenvolvem pesquisa com microrganismos para recuperar cobre em rejeitos na Mina do Sossego, no município de Canaã dos Carajás, Pará. A recuperação da totalidade do minério do rejeito geraria uma receita bruta de US$ 1,4 bilhão. O Centro de Desenvolvimento Mineral da Vale tem, como uma de suas apostas em inovação tecnológica, a biolixiviação.
O Centro de Tecnologia Mineral do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, em 2015, premiou o trabalho "Planta Piloto para a Produção do Coagulante Sulfato Férrico a partir de Pirita em Rejeitos de Carvão", com utilização de biolixiviação.
Em 2016, pesquisadores de engenharia química, da Universidade Federal do Pará, e de biotecnologia, da Universidade Estadual Paulista, realizaram testes para bio-oxidação em escala de laboratório com minério aurífero de uma mina do Amapá. Os resultados mostraram a viabilidade da técnica.
Uma startup paulista, a Itatijuca Biotech, atualmente prestando serviço para duas mineradoras e uma empresa de resíduos eletrônicos, tem aplicado biolixiviação para cobre (com possibilidade também para ouro) e tem expectativa de faturar R$ 1 milhão até o final de 2017.
"Minerador do futuro" (parte de imagem de varredura eletrônica por Janice Carr - adaptada)
- qualquer semelhança com a realidade é pura ficção -
- qualquer semelhança com a realidade é pura ficção -
A biomineração já é bem aceita para tratamento de alguns metais e deverá, cada vez mais, ter maior aplicação na recuperação de outros de difícil extração com métodos convencionais ou alternativos. O campo da reciclagem nesta área tem grande potencial e, no caso da biolixiviação in situ, um dos fatores motivadores é a redução drástica de rejeitos e resíduos. A biomineração, nos próximos anos, poderá desempenhar papel significativo, com processos sustentáveis, economicamente viáveis e socialmente aceitos.
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