Por Marco Gonzalez
Registros de δ18O, Ca2+ e paleotemperatura de testemunhos de gelo no Projeto NGRIP (North Greenland Ice Core Project), perfurados de 1999 a 2003 na Groenlândia central, examinando o período de 43 mil a 38 mil anos atrás.
δ18O é um dado proxy para variações paleoclimáticas e paleoambientais medido nas camadas do gelo.
Ca2+ é um dado proxy para poeira continental medido na poeira vulcânica contida no gelo.
A reconstrução da paleotemperatura se baseou em δ¹⁵N combinado com modelos de densificação de firn e de difusão de calor.
Todas as medições levaram em conta a sincronização (no tempo) dos testemunho de gelo.
Observa-se a correlação da paleotemperatura com os dados proxies climáticos químicos.
As faixas verticais de cor cinza destacam períodos mais quentes.
(Adaptado de: Stadelmaier et Al).
Este artigo faz parte da série Paleoclimatologia e contém uma visão geral dos dados proxies climáticos químicos.
Notação delta (δ): notação que apresenta a abundância de um isótopo estável em relação a um padrão internacional de referência. É usada porque normalmente a razão isotópica consiste em um valor pequeno. O valor delta (δ) de um determinado isótopo X (o mais pesado) em partes por mil (‰) em uma amostra é dado através da seguinte fórmula: δX = (R amostra / R padrão – 1) × 1000 onde R é a razão isotópica. Exemplo: δ13C = (13C/12C amostra / 13C/12C padrão) x 1000 Ca2+: átomo eletrizado (cátion) de cálcio que teve acréscimo de 2 elétrons. Densificicação de firn: densificação causada pelo aumento gradual da pressão de sobrecarga de camadas de neve mais jovens sobre camadas mais antigas (denominadas "firn") ocasionando a transformação da neve em gelo que vai ocorrendo nas camadas mais altas de uma geleira. Depende exclusivamente da temperatura e da pressão de sobrecarga. Difusão de calor: processo de determinação da distribuição espacial da temperatura em uma superfície condutora ao longo do tempo usando a equação que descreve a evolução da temperatura com base em sua distribuição inicial. |
Os dados proxies climáticos químicos podem fornecer informações sobre uma série de fatores paleoclimáticos e paleoambientais, como temperatura, fitoplâncton, vegetação, poeira, nutrientes, circulação oceânica e condições redox.
2.4.1. Elementos químicos
A concentração de elementos químicos em materiais, como sedimento e gelo, pode ser usada para determinar alterações ocorridas no passado em eventos como pH, produtividade e temperatura.
Produtividade: produção de matéria orgânica pelo fitoplâncton. Fitoplâncton: flora de organismos flutuantes, muitas vezes minúsculos, que flutuam livremente e que são levados pelas correntes das águas. Assim como a vegetação terrestre, o fitoplâncton usa dióxido de carbono, libera oxigênio e converte minerais em uma forma que os animais possam usar. |
A intensidade da erosão é sensível a alterações na precipitação e no fluxo de água, bem como a mudanças na paisagem, como a causada por desmatamento. Alterações na produtividade aquática podem refletir flutuações relacionadas a precipitações na entrada de nutrientes.
Alterações na composição química do esqueleto de um coral, por exemplo, refletem as condições climáticas oceânicas no momento do seu crescimento. Diversas proporções em conchas calcíferas e em corais são interessantes, incluindo Si/Al, Mg/Ca, Cd/Ca, Ba/Ca, U/Ca e também Sr/Ca. A proporção de estrôncio para cálcio (Sr/Ca) em corais é um indicador climático bem conhecido, possibilitando a correlação positiva com as temperaturas da superfície do mar.
Imagem de raio X ampliada mostrando faixas (mais verticalizadas) de densidade anual no coral moderno Montastraea faveolata do Parque Nacional Dry Tortugas, Flórida, EUA.
Duas séries temporais Sr/Ca foram sobrepostas (uma lilás, em profundidades entre 2 e 15 m, e outra verde, em profundidades menores que 2 m).
Cada máximo (inverno, em faixas verticalizadas de densidades mais claras) e mínimo (verão, em faixas verticalizadas de densidades mais escuras) coincidem com as séries temporais de Sr/Ca (onde os valores de temperatura da superfície do mar crescem para cima) representa um ciclo anual.
Círculos brancos foram alinhadas com cicatrizes do coral (próximas da horizontal) para harmonizar a noção cronológica.
Losangos amarelos (associados aos círculos brancos) marcam alguns máximos ou mínimos correspondentes a transições nas faixas de crescimento anual.
(Crédito: USGS)
Outro exemplo é a composição química de conchas de foraminíferos ou de diatomáceas. Ela reflete a química da água no momento em que aquelas conchas foram cultivadas. A química da água, por sua vez, é influenciada pela temperatura e pela precipitação.
O paleoambiente do momento em que camadas de sedimentos foram depositas pode ser reconstruído através da composição química de fósseis, como os de polens, plantas, algas e carvão preservados naquelas camadas. É possível, assim, deduzir quais plantas e animais estavam vivos, quanto choveu e se ocorreram erupções vulcânicas ou incêndios florestais recentes.
Neste contexto, o advento da técnica de "espectrometria de massa com acelerador de partículas" (AMS em inglês) melhorou em muitos aspectos nosso entendimento das referências disponibilizadas pelos dados proxies climáticos químicos. Esta técnica é altamente sensível para determinar idades de isótopo de carbono 14 (14C) em quantidades de submiligramas de carbono extraídas por exemplo de corais, microfósseis de foraminíferos, matéria orgânica marinha e pequenos volumes de água do mar.
Exemplos de elementos químicos e proporções entre eles e suas respectivas indicações paleoclimáticas e de paleoambientes.
elementos químicos e proporções entre eles | Indicações paleoclimáticas e de paleoambientes |
Ba (na barita) | ◆ produtividade oceânica |
P | |
Fe | |
Mn, Co, Ni, Zn, Cu | |
Cd (em foraminíferos ou cocólitos planctônicos) | |
Si/Al | |
Mg/Ca | ◆ pH oceânico ◆ salinidade oceânica ◆ temperatura ◆ produtividade oceânica |
Sr/Ca, Cd/Ca | ◆ temperatura ◆ produtividade oceânica |
B (como B(OH)-4) | ◆ pH oceânico |
Mg | ◆ temperatura |
Sr | |
Ca2+ (em testemunho de gelo) | ◆ poeira atmosférica associada à temperatura |
2.4.2. Razão isotópica
As proporções de isótopos estáveis de um elemento podem ser medidas para inferir uma ampla gama de informações sobre o clima do passado. Por exemplo, a proporção de 18O para 16O (ou seja, a razão isotópica) na água da chuva ou na neve é controlada pela temperatura, umidade e circulação atmosférica. Qualquer registro que preserve fielmente tais isótopos pode indicar alterações naqueles parâmetros climáticos.
Isótopo estável: isótopo não radioativo, ou seja, que não emite radiação. Oitenta dos primeiros 82 elementos da tabela periódica têm isótopos estáveis. Razão isotópica: proporção entre as concentrações de isótopos estáveis em um composto ou material molecular representando a proporção entre a massa atômica do isótopo mais pesado (numerador) em relação à massa atômica do mais leve (denominador). Notação: aA / bB = razão isotópica entre o isótopo do elemento "A" com massa atômica "a" e o elemento "B" com massa atômica "b". Molécula: a menor unidade de um composto que pode existir por si só e reter todas as propriedades químicas daquele composto. |
Isótopos de oxigênio (O) e hidrogênio (H) em moléculas de água (H₂O) com massas atômicas diferentes devido a diferentes números de nêutrons em seus núcleos.
Na água, as diferentes combinações dos isótopos estáveis resultam em massas moleculares que variam de 18 a 22.
(Crédito: USGS)
A razão isotópica calculada a partir de certos materiais coletados possibilitam, portanto, na Paleoclimatologia, o mapeamento de condições climáticas da época em que estes materiais se desenvolveram. Por exemplo, a composição isotópica de oxigênio (δ18O) da aragonita no esqueleto de um coral é um indicador climático bem estabelecido. Outro exemplo é a proporção de isótopos estáveis de oxigênio encontrados em conchas de diatomáceas (assim como de foraminíferos) retiradas de sedimentos de águas profundas em todo o mundo utilizadas como eficientes indicativos das temperaturas daquelas águas.
(a) Espeleotema de 4,25 mil anos (antes do ano 2000), de 308 mm de comprimento, da caverna Mawmluh, em Meghalaya, nordeste da Índia.
(b) posição do evento de 4,2 mil anos, uma redução abrupta na precipitação devido ao enfraquecimento das monções na Índia e no sudeste da Ásia, com reorganização significativa dos padrões de circulação do oceano e da atmosfera, chamado "Holocene Turnover" ("Renovação do Holoceno").
Este evento foi detectado no espeleotema através do aumento de δ18O.
(Adaptado de: UICG).
Indícios moleculares contendo isótopos (como 13C, 15N e 18O) podem ser usados para diagnóstico climático no caso de fitoplâncton microscópico. Estes organismos são responsáveis pela maior parte do carbono vivo no oceano, mas não deixam nenhum traço visual após a morte e o soterramento em sedimentos. Estes fósseis moleculares podem ser analisados com "espectrometria de massa com cromatografia gasosa para razão isotópica" (GC-IRMS em inglês) em extratos de sedimentos.
Por exemplo, foi demonstrado que 13C em compostos de alcenona preservados em sedimentos podem ser usados para reconstruir a estrutura e a temperatura do ecossistema de ambiente marinho cobrindo os últimos 300 milhões de anos. Outro exemplo é a análise de isótopos de carbono e hidrogênio de fósseis moleculares, como ceras foliares (provenientes da camada protetora de folha de planta), que podem ser usadas para inferir alterações na paisagem e no ciclo da água.
Isótopos estáveis oferecem registros de condições ambientais passadas, incluindo temperatura, salinidade e pH, bem como umidade, biodiversidade e circulação. Apesar de serem consideradas estáveis, as proporções entre os isótopos de um elemento pode variar. É o caso da assinatura isotópica do carbono na biosfera, que é diferente daquela da atmosfera. Quando as plantas fotossintetizam CO₂, capturam ar com mais 12C (leve e rápido) do que 13C (pesado e lento). Além disto, na fase de crescimento, as plantas preferem absorver 12C. Assim, no total, elas terão menos 13C em comparação com a atmosfera.
Por outro lado, a assinatura isotópica do carbono dos oceanos é muito semelhante a da atmosfera. Durante o fluxo do CO₂ para o interior e para fora dos oceanos, 12C e 13C se dispersam uniformemente tanto na atmosfera quanto nos oceanos. A variação isotópica do oxigênio na água também é didática. Quando a água está mais quente tende a evaporar mais do isótopo mais leve. Assim, proporções menores de isótopo mais leve indicam maior temperatura da água.
O entendimento destes e de outros mecanismos (assim como as semelhanças e diferenças entre assinaturas isotópicas) são úteis para que sejam inferidas corretamente as condições climáticas do passado a partir de dados proxies climáticos baseados em isótopos, conforme mostra a tabela que segue.
Exemplos de isótopos e razões isotópicas e suas respectivas indicações paleoclimáticas e de paleoambientes.
Isótopos e razões isotópicas | Indicações paleoclimáticas e de paleoambientes |
14C (radiocarbono, o isótopo radioativo do carbono) e 3H (trítio, o isótopo radioativo do hidrogênio) | ◆ idades, origens e caminhos de grandes correntes oceânicas e massas de água |
13C, 15N e 32P | ◆ produtividade oceânica ◆ transferência de CO₂ para a água do mar |
14C produzido naturalmente | ◆ circulação oceânica profunda |
13C em compostos de alcenona | ◆ estrutura e temperatura do ecossistema em sedimentos marinhos cobrindo os últimos 300 milhões de anos |
13C/12C | ◆ produtividade oceânica ◆ soterramento/intemperismo global de carbono orgânico ◆ padrões de circulação oceânica ◆ níveis de nutrientes oceânicos ◆ concentrações atmosféricas de CO₂ |
15N/14N | ◆ flutuações rápidas de temperatura ◆ alterações na produtividade ◆ níveis de nutrientes na água do mar |
10Be | ◆ variabilidade solar |
18O/16O | ◆ temperatura ◆ salinidade ◆ precipitação ◆ circulação atmosférica/oceânica ◆ intensidade e frequência de eventos, como El Niño ◆ alterações glaciais-interglaciais relacionadas |
14C/12C | ◆ variabilidade solar |
2H/1H | ◆ hidrologia ◆ temperatura |
87Sr/86Sr | ◆ intemperismo continental ◆ escoamento de rios |
34S/32S | ◆ química oceânica (alterações na precipitação de sulfato relacionadas a evaporitos e soterramento de sulfeto sedimentar) |
δ11B | ◆ pH oceânico |
2.4.3. Sílica biogênica
A sílica biogênica é um dos produtos químicos mais importantes para a paleoclimatologia encontrados em sedimentos marinhos e de água doce.
Sílica biogênica (bSi): sílica hidratada na forma nanoestrutural encontrada em organismos vivos, como diatomáceas e esponjas, caracterizada por estruturas esféricas e uma natureza altamente porosa. Sinônimo: opala biogênica. |
Além de diatomáceas e esponjas, a sílica biogênica é produzida também por organismos como radiolários e silicoflagelados.
Radiolária: protozoário holoplanctônico que faz parte do zooplâncton. Pode ser solitário ou viver em colônia. Não é móvel exceto quando enxames reprodutivos portadores de flagelos são produzidos. Neste caso, estruturas aumentam sua flutuabilidade. Protozoário: animal unicelular encontrado no mundo todo na maioria dos habitats. Possui estrutura interna relativamente complexa e realiza atividades metabólicas também complexas. Holoplanctônico: diz-se do animal (ou planta ) que passa a vida inteira no interior do plâncton. Silicoflagelado: faz parte de pequeno grupo de algas unicelulares planctônicas marinhas. Possui um único esqueleto interno constituído de sílica biogênica. É encontrado em quase todas as partes do mundo. |
Partículas de terra diatomácea na água vista sob iluminação de campo claro em microscópio de luz.
Esta terra diatomácea é constituída por paredes/conchas celulares de diatomáceas unicelulares compostas por sílica biogênica sintetizada na célula da diatomácea por polimerização do ácido silícico.
É visualizada uma mistura de diatomáceas radialmente simétricas com diatomáceas bilateralmente simétricas em uma imagem que cobre uma área de ∼1,13 mm por ∼0,69 mm.
(Credito: Zéfiro)
Terra diatomácea: rocha sedimentar constituída por sílica biogênica, muito fina, constituída essencialmente por restos microscópicos de carapaças de diatomáceas. Sinônimos: diatomito. |
As medições de opala biogênica em ecossistemas aquáticos permitem inferir a produtividade biológica no ecossistema, inclusive a quantidade de biomassa. As alterações na produtividade também podem refletir fatores como temperatura, salinidade e circulação. Como a sílica biogênica é estável em sedimentos, tem sido usada para estudar a produtividade primária do ecossistema marinho do passado em amostras com mais de 48 milhões de anos.
Paleoclimatologia - o clima do passado geológico
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