Por Marco Gonzalez
Um dos blocos erráticos da colina de Norber em North Yorkshire Dales, nas proximidades de Austwick, no Reino Unido.
Nesta colina ocorrem mais de uma centena de grandes blocos erráticos de arenito e ardósia, alguns deles precariamente equilibrados sobre pedestais de calcário.
Pesquisadores, ao longo do tempo, debateram se estes blocos erráticos teriam sido transportados por blocos de gelo, fluxos de lama, icebergs ou pela ação das geleiras.
(Crédito: Richard Allaway).
A Paleoclimatologia integra informações de uma grande variedade de disciplinas das ciências geológicas, incluindo estratigrafia, geomorfologia, glaciologia, paleoecologia, paleobotânica, geoquímica, geocronologia e geofísica entre outras.
Este artigo faz parte da série Paleoclimatologia e contém uma amostra do envolvimento das ciências geológicas no desenvolvimento dos estudos do clima do passado da Terra.
- 1686 – o físico inglês Robert Hooke (1635-1703) concluiu que a presença de fósseis de tartarugas gigantes e de grandes amonites em Portland Bill, no condado de Dorset, na Inglaterra, indicavam que o clima já havia sido mais quente naquela região. Ele considerou que esta alteração climática teria ocorrido devido a variações na inclinação do eixo da Terra.
- 1742 – o mineralogista sueco Daniel Tilas (1712-1772) sugeriu que o gelo marinho à deriva poderia ser a razão da presença de grandes blocos rochosos (mais tarde denominados "blocos erráticos") nas regiões escandinavas e bálticas.
Bloco errático: fragmento de rocha trazido por geleiras de locais próximos ou distantes e cuja litologia, muitas vezes, é completamente diferente (exótica) daquela que ocorre no local. |
- 1778 – o naturalista e matemático francês Georges-Louis Leclerc (1707-1788), conde de Buffon, descreveu o resfriamento da Terra em sua obra "Les Époques de la Nature" ("As Épocas da Natureza"). Ele argumentou que, em princípio, a vida poderia existir até mesmo nos polos. Como restos de elefantes, rinocerontes e de outros animais foram encontrados no norte da Europa, da Ásia e da América do Norte, Buffon deduziu que estas criaturas teriam se retirado posteriormente em direção à linha do equador.
- 1795 – o geólogo, agricultor, fabricante de produtos químicos, naturalista e médico escocês James Hutton (1726-1797) explicou que a presença de grandes blocos rochosos (erráticos) nos Alpes se devia à ação das geleiras.
- 1799 – o geógrafo, polímata, naturalista, explorador e filósofo prussiano Alexander von Humboldt (1769-1859) imaginou que o clima mais quente do passado poderia ter resultado do calor liberado pela cristalização de leitos de rocha.
- 1802 – o cientista e matemático escocês John Playfair (1748-1819), ministro da Igreja da Escócia, considerou que grandes blocos (erráticos) eram transportados por geleiras.
- 1815 – o geólogo e paleontólogo alemão Christian Leopold von Buch (1774-1853) considerou que grandes blocos (erráticos) foram transportados por fluxos de lama do tipo "rollsteinfluten” ("inundações com pedras rolantes"), conforme ele classificou, e não por geleiras.
- 1817 – Humboldt (citado anteriormente) desenhou os primeiros mapas de isotermas.
- 1817 – a "Swiss Natural Science Society" ("Sociedade Suíça de Ciências Naturais") promoveu competição entre pesquisadores sobre a extensão das geleiras alpinas, distribuindo prêmios pelo reconhecimento dos trabalhos.
- 1818 – o botânico sueco Göran Wahlenberg (1780-1851) publicou sua teoria sobre uma glaciação da península escandinava que ele considerava um fenômeno regional.
- 1819 – o geólogo e paleontólogo inglês Henry Thomas de la Beche (1796-1855) foi o primeiro a descrever rochas e blocos que não faziam parte da região próxima como "erráticos". Imaginou que teriam sido transportados por algum meio natural devido à sua distribuição quase aleatória e, em alguns casos, ao seu grande tamanho.
- 1822 – o engenheiro suíço Ignatz Yenetz (1788-1859), em palestra, tratou da extensão das geleiras norueguesas.
- 1823 – Humboldt (citado anteriormente) relacionou o clima ao vulcanismo, como resultado de sua experiência anterior na América do Sul. Entre 1799 e 1804, Humboldt e o médico e botânico francês Aimé Jacques Alexandre Goujaud Bonpland (1773-1858) haviam cruzado os Andes do norte até Lima, no Peru, escalando diversos vulcões. Quase chegaram ao topo do vulcão Chimborazo, no Equador, estabelecendo recorde de escalada ainda não batido.
(Crédito: Benutzer).
- 1824 – o geólogo norueguês Jens Esmark (1763-1839) publicou em norueguês (e em 1826, em inglês) um artigo com evidências de que a Noruega e outras partes da Europa foram cobertas por enormes geleiras durante uma época conhecida posteriormente como Idade do Gelo. Esmark propôs as variações da órbita da Terra como causas destas mudanças climáticas. Ele também achava evidente que o transporte de rochas poderia ter sido feito pelo gelo.
- 1829 – o engenheiro, naturalista e glaciologista suíço Ignace Venetz (1788–1859) explicou a dispersão de rochas erráticas nos Alpes, nas Montanhas Jura e na Planície do Norte da Alemanha como sendo devido a enormes geleiras cujas extensões teriam variado devido a mudanças climáticas, não as relacionando a causas astronômicas.
- 1829 – a Teoria Glacial apareceu pela primeira vez na literatura através do romance "Wilhelm Meisters Wanderjahre" ("Os anos de viagem de Wilhelm Meister" ou "Os Renunciantes") do escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832).
- 1830 – o polímata, matemático, astrônomo, químico e inventor inglês John Herschel (1792-1871) citou as variações da órbita da Terra como a causa da Era Glacial.
- 1830/33 – o advogado e geólogo escocês Charles Lyell (1797-1875) publicou sua obra "Principles of Geology" ("Princípios da Geologia"), em três volumes, onde apareceram inúmeras referências ao clima do passado (exemplos: clima mais quente do Terciário, disseminação de corais de recifes do Mesozoico ao norte e ocorrência de plantas formadoras de carvão até mesmo na região polar). Lyell considerou que as variações climáticas eram causadas principalmente pela distribuição de correntes terrestres, marítimas e oceânicas. Também lançou a "Hipótese do Iceberg", estando convencido de que grande parte da Europa Ocidental havia sido submersa durante o Pleistoceno por mares frios cobertos de icebergs e que estes teriam transportados os blocos erráticos e não as geleiras. Lyell introduziu a frase "The present is the key to the past" ("o presente e a chave do passado") como um princípio do Uniformitarismo, teoria da evolução geológica da Terra que desenvolveu juntamente com James Hutton (citado anteriormente).
Uniformitarismo: teoria que propõe que as alterações geológicas são impulsionadas pelos mesmos processos graduais que vemos operando hoje, como a erosão e a deposição, em contraste com o Catastrofismo. Catastrofismo: teoria que propõe que as alterações geológicas são impulsionadas por eventos repentinos e violentos, como inundações, terremotos e erupções vulcânicas. |
- 1832 – John Herschel (citado anteriormente) relacionou a quantidade de calor recebido pela Terra a partir do Sol com as variações da excentricidade da órbita terrestre.
- 1832 – o professor alemão de silvicultura Albrecht Reinhard Benhardi (1797-1849) adotou a ideia de Venetz (citado anteriormente) e publicou um artigo especulando sobre antigas calotas polares que haviam se deslocado até zonas temperadas da Terra.
- 1834 – o geólogo suíço Jean de Charpentier (1786–1855) apresentou na reunião anual da "Schweizerische Naturforschende Gesellschaft" ("Sociedade Suíça de Ciências Naturais") a ideia de que as rochas espalhadas pelo território do seu país, além do alcance das geleiras, deveriam ter sido depositadas pelo gelo quando aquelas geleiras eram mais extensas. Referiu-se a causas astronômicas, mas apenas em termos muito gerais "como, por exemplo, uma mudança na eclíptica (trajetória aparente do Sol, vista da Terra), a precessão dos equinócios, a progressão do sistema planetário no espaço, os asteroides" e outros fenômenos astronômicos.
- 1837 – o geólogo suíço Louis Agassiz (1801-1873), na "Helvetic Natural History Society" ("Sociedade Suíça de História Natural") em Neuchatel, na Suíça, chocou sua audiência com a palestra intitulada "Under Glaciers, Moraines and Erratic Blocks" ("Sob Geleiras, Morainas e Blocos Erráticos"). Ele propôs que blocos erráticos eram produtos das deposições de grande camadas de gelo, formalizando a Teoria Glacial. Esta teoria foi inicialmente recebida com ceticismo e somente aceita pela comunidade científica 30-40 anos depois. Contribuíram para esta teoria Jean de Charpentier (citado anteriormente), Ignace Venetz (citado anteriormente) e o poeta e naturalista alemão Karl Friedrich Schimper (1803–1867) que cunhou o termo "Eiszeit" ("Idade do Gelo")
Moraina (ou morena): acumulação de detritos rochosos glaciais mal classificados carregados pelas geleiras. Em inglês: moraine. |
- 1837 – o físico e matemático francês Siméon Denis Poisson (1781-1840) assumiu que a Terra às vezes se movia por regiões frias do espaço.
- Década de 1840 – o físico francês Joseph Fourier (1786-1830) e o químico irlandês John Tyndall (1820-1893) desenvolveram pesquisa sobre o conceito científico do efeito estufa.
Efeito estufa: processo pelo qual o calor fica preso próximo à superfície da Terra por substâncias conhecidas como "gases de efeito estufa", dióxido de carbono, metano, ozônio, óxido nitroso, clorofluorcarbonetos e vapor de água. Em inglês: greenhouse effect. |
- 1842 – o matemático francês Joseph Alphonse Adhémar (1797–1862) explicou pela primeira vez a Era Glacial como tendo sido causada por variações na órbita da Terra e na precessão, hipótese que passou a ser conhecida conhecida como Hipótese de Adhémar. Explicou a Hipótese de Agassiz (citado anteriormente), concluindo assim que provavelmente houve mais de uma era glacial.
- 1844 – o geólogo alemão Carl Bernhard von Cotta (1808-1879) considerou que estrias em pórfiros (próximo a Leipzig, na Alemanha) seriam causadas pela ação de geleiras.
- 1846 – o geólogo alemão Wolfgang Sartorius Freiherr von Waltershausen (1809–1876), crítico da Teoria Glacial, identificou-a como um "conto de fadas de uma chamada Era do Gelo".
- 1850 – Buch (citado anteriormente) descreveu a Teoria Glacial como "uma estranha aberração da mente humana" em uma carta destinada ao geólogo e mineralogista alemão Karl Friedrich Naumann (1797-1873).
- 1855 – o geólogo e botânico suíço Oswald Heer (1809-1883) publicou "Flora tertiaria Helvetiae" ("Flora terciária da Suíça"), com numerosas conclusões paleoclimáticas relevantes.
- 1856 – o geólogo e naturalista britânico William Thomas Blanford (1832-1905) descobriu as morainas do Paleozoico superior na Índia e iniciou a investigação de Eras Glaciais pré-Quaternárias.
- 1864 – o climatologista escocês James Croll (1821-1890) ampliou a Hipótese de Adhémar (citado anteriormente) ao introduzir a ideia de excentricidade variável da órbita terrestre.
- 1863 – o geólogo e paleontólogo suíço Arnold Escher von der Linth (1807-1872) e o zoólogo, geólogo e alpinista suíço Pierre Jean Édouard Desor (1811-1882) consideraram um "Mar do Saara" diluviano como a causa de glaciação no Hemisfério Norte.
- 1866 – Oswald Heer (citado anteriormente) publicou "Flora Fossilis Arctica" ("Flora Fóssil do Ártico") com a primeira investigação completa da flora polar e seu significado paleoclimático.
- 1874 – o geólogo escocês Archibald Geikie (1835-1924) e seu irmão, o geólogo escocês James Geikie (1839-1914), mostraram que várias fases glaciais se sucederam, separadas por períodos interglaciais com um clima moderado semelhante ao atual ou mais quente.
- 1875 – o naturalista sueco Otto Martin Torell (1828-1900) palestrou na "Geological Society of Germany" ("Sociedade Geológica da Alemanha"), em Berlim, sobre as estrias glaciais de Rüdersdorf, nas proximidades de Berlim, e estabeleceu a noção de que o gelo escandinavo se estendia até o norte da Alemanha.
- 1875 – James Croll (citado anteriormente) publicou "Climate and Time in their Geological Relations" ("Clima e Tempo em suas Relações Geológicas") apresentando uma extensão da Hipótese de Adhémar (citado anteriormente).
- 1901/09 – O geógrafo, climatologista e geólogo alemão Albrecht Penck (1858-1945), professor da Universidade de Berlim, e o geógrafo, glaciologista e climatologista alemão Eduard Brückner (1862-1927), professor da Universidade de Viena, que faziam parte da seção de Breslau (cidade polonesa) da "Deutsch-Osterreichischen Alpenvereins" ("Associação Alpina Alemã e Austríaca"), publicaram três volumes de "Die Alpen im Eiszeitalter" ("Os Alpes na Idade do Gelo"). Estas publicações divulgavam uma competição que avaliava pesquisas sobre o tema. Nesta competição foram identificadas e nomeadas as glaciações Günz, Mindel, Riss e Würm.
- 1906 – Albrecht Penck (citado anteriormente) cunhou o termo "tillite" ("tilito") para a rocha derivada de depósito glacial.
- 1920 – o engenheiro e geofísico croata Milutin Milankovitch (1879-1958) elaborou um novo conceito para "curva de irradiação", que revela pequenas oscilações da irradiação emitida por um corpo, no contexto das alterações paleoclimáticas. Milankovitch fez renascer a ideia originalmente proposta em 1830 por Herschel (citado anteriormente) e ampliada em 1842 por Adhémar (citado anteriormente) e em 1864 por Croll (citado anteriormente) e estabeleceu o que passou a se chamar "Ciclos de Milankovitch".
Ciclos de Milankovitch descrevendo variações dos movimentos da Terra: da órbita elíptica (excentricidade), do ângulo de inclinação do eixo de rotação (obliquidade) e do giro da seção do cone formado pelo movimento do eixo (precessão) que teriam influência no clima da Terra em ciclos, respectivamente, de 100 mil, 41 mil e 23 mil anos, e suas combinações.
(Adaptado de Hannes Grobe).
- 1924 – O geógrafo e meteorologista Wladimir Peter Köppen (1846-1940) e o geólogo, geofísico e meteorologista alemão Alfred Lothar Wegener (1880-1930) publicaram "Die Klimate der geologischen Vorzeit" ("Os Climas do Passado Geológico"), lançando uma visão paleoclimática para a hipótese da deriva continental e interpretando o conceito de "curva de irradiação" de Milankovitch (citado anteriormente).
- 1926 – o geólogo canadense Arthur Philemon Coleman (1852-1939) publicou "Ice Ages, recent and ancient" ("Eras Glaciais, recentes e antigas"), um resumo detalhado das glaciações pré-quaternárias.
- 1926 – o meteorologista e climatologista britânico Charles Ernest Pelham Brooks (1888–1957) publicou "Climate through the ages" ("Clima através dos tempos"), um resumo dos aspectos meteorológicos da Paleoclimatologia.
- 1930 – o geólogo e meteorologista austríaco Fritz Kerner von Marilaun (1866-1944) publicou "Paliioklimatologie" ("Paleoclimatologia"), uma abordagem teórica sobre o tema.
- 1950 – o químico norte-americano Harold Clayton Urey (1893-1981) realizou as primeiras determinações de temperatura do passado através da razão isotópica 18O/16O.
- 1979 – o geólogo e paleoclimatologista norte-americano William F. Ruddiman (nascido em 1943) e o matemático e consultor de mineração canadense Stephen McIntyre (nascido em 1941) invocaram a Hipótese de Adhémar (citado anteriormente) para explicar o último Máximo Glacial.
- 1999 – o paleoclimatologista frances Jean-Robert Petit (nascido em 1948) e colaboradores concluíram que as concentrações de CO₂ e CH₄ estão fortemente correlacionadas com as temperaturas da Antártida e perceberam que as cargas atmosféricas atuais destes dois gases de efeito estufa parecem ter sido sem precedentes durante os últimos 420.000 anos.
Paleoclimatologia - o clima do passado geológico
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