6 de setembro de 2019

Sol e Terra: um relacionamento de vida e morte - Parte II

Por Marco Gonzalez
Atualização: 17/05/2023

Fluxo de gás ionizado do Sol que passa pela Terra a partir de uma ejeção de massa coronal, com as partículas em linhas amarelas conectando o Polo Norte e as azuis, o Polo Sul da TerraImagem do filme "Dynamic Earth: Exploring Earth's Climate Engine", que utiliza dados de modelos do clima espacial baseados em evento real de ejeção de massa coronal dezembro de 2003 (Crédito: NASA)

Visto da Terra, o Sol parece uma estrela média bastante estável, com variações regulares através de um ciclo de manchas solares que aparecem e desaparecem a cada onze anos. Observado do espaço, o Sol revela outros fenômenos, como a luz ultravioleta, os raios X e os raios gama, radiações muito sensíveis às erupções e a outras atividades solares. Estudado mais de perto, percebe-se que o Sol é um lugar de violentos distúrbios, com movimentos imprevisíveis acima e abaixo de sua superfície visível. Além disto, séries e registros históricos têm revelado que o Sol se comportou no passado de modos estranhos e inexplicáveis. São verdades que podem abalar um relacionamento.

O início do relacionamento

Embora o Sol não seja um lugar adequado à vida, sabe-se que ele tornou possível o surgimento dela na Terra fornecendo calor e energia úteis para formar a base de muitas cadeias alimentares. Qualquer relacionamento se sentiria fortalecido com este início promissor. Mas a situação não era nada fácil. Recém criada, a Terra era extremamente quente e não havia oxigênio. Meteoritos e asteroides massivos chocavam-se frequentemente contra a sua superfície aquecendo-a ainda mais. A Terra começou a derreter, alguns elementos evaporaram, o material mais pesado afundou e o mais leve subiu à superfície, estruturando nosso planeta com núcleo, manto, crosta e atmosfera.

Sugestão de Vídeo: "Construindo o Planeta Terra" (Crédito: World D e NatGeoTV)
(Na execução, pressione para assistir em tela cheia. Pressione ESC para retornar)

Os primeiros micróbios consumiam gás hidrogênio, evoluíram para procariontes e se adaptaram encontrando na luz do Sol a energia de que necessitavam. Surgiu a fotossíntese, a atmosfera foi inundada por oxigênio e se formou uma camada protetora que ajudou a resfriar a Terra. Algumas vezes a temperatura caiu drasticamente e nosso planeta se cobriu com gelo. Mas, a vida proliferou e à medida que os níveis de oxigênio se elevaram e as placas tectônicas passaram a se mover, começou a haver mais diversidade de seres vivos. Bem recentemente, surgiram até mesmo os seres vivos humanos.

Procarionte: grupo de organismos cujo material genético não está envolvido por um núcleo.

Calor, luz e energia

A temperatura na superfície da Terra, que propicia a existência de água líquida, foi um dos principais fatores que tornou a vida possível desde 3,8 bilhões de anos atrás. Isto devemos ao Sol. Sua energia aquece enormes massas de ar que compõem os sistemas climáticos da Terra em escalas maiores e menores. Os ciclos dia-noite e verão-inverno têm causas e efeitos óbvios e assim vamos vivendo.

Mas nem tudo é perfeito, a atmosfera terrestre reage fortemente à atividade solar em altas altitudes, como na camada de ozônio e na ionosfera, quando sob os efeitos da luz ultravioleta e dos raios X.

Estima-se que, no Sol, em apenas um segundo sejam fundidas 600 milhões de toneladas de hidrogênio e sejam convertidas em energia 4 milhões de toneladas de matéria, liberando 3,86 x 1026 joules de energia. Em média, durante um ano inteiro, ~342 watts de energia solar caem sobre cada metro quadrado da Terra.

Ilustração de eventos do Sol alterando as condições no espaço próximo à Terra, mostrando que o clima espacial é comandado pelo Sol e os seus efeitos acontecem na Terra (Crédito: NASA)

O clima da Terra é afetado à medida que o campo magnético interplanetário espiralado gira em torno do nosso planeta. Sabe-se, embora não se explique, que a quantidade de energia presente nos fenômenos climáticos excede em muito a energia que aparentemente está disponível a partir das variações na atividade solar. Ou seja, deve haver um mecanismo amplificador, ainda desconhecido, pelo qual as variações magnéticas acionam as mudanças no clima do nosso planeta.

Também é necessário considerar que outros fatores não relacionados ao Sol, como erupções vulcânicas e queima de carvão e petróleo, também afetam a quantidade de calor absorvida pela atmosfera, tornando complexo o entendimento de causas e efeitos. De qualquer forma, ainda não se tem uma ideia precisa das variações na produção de calor e luz radiante do Sol, já que as medições na superfície da Terra não são confiáveis e as medições a partir do espaço ainda não têm registro histórico suficiente.

Fizemos muitos progressos no uso de observações do espaço para descobrir as propriedades básicas do Sol, mas apenas começamos a ver o Sol como ele realmente é. Por exemplo, ainda não temos uma teoria adequada para explicar o período do ciclo das manchas solares. A partir de novas tecnologias, como medições simultâneas a partir de distintas espaçonaves e laboratórios orbitais, teremos mais dados a analisar.

Imagem esquemática da sonda Parker Solar da NASA sobre a coroa solar (Crédito: NASA/JPL).

A missão da Parker Solar, liderada pelo Jet Propulsion Laboratory, iniciou em 2018. Esta sonda foi projetada para orbitar ao redor do Sol passando através de sua coroa. No início de 2023, cientistas desta missão descobriram que "jetlets" podem alimentar o vento solar.

Jetlets: pequenos jatos de plasma, mas muito quentes, localizados na base da coroa solar.

Com o tempo, a aparente presença apenas amiga do Sol aos poucos vai sendo desmascarada. Percebemos, por exemplo, que as explosões solares são frequentemente seguidas por exibições brilhantes de auroras (boreal e a austral) na atmosfera da Terra e por perturbações no campo magnético do nosso planeta. Os geofísicos frequentemente encontravam distúrbios no campo magnético da Terra que não coincidem com explosões solares, mas que se repetem em intervalos que coincidem com o período de rotação do Sol em seu eixo. Assim, como em todo estudo científico, cada detalhe só se encaixa no todo quando bem entendido.

O vento solar

Em 1957, foi demonstrado que a coroa solar, com sua temperatura de 2.000.000ºC, não podia ser estática. Tamanho calor faz com que o gás contido nela evapore constantemente do Sol em velocidade supersônica. Assim foi descoberto o chamado vento solar que é continuamente soprado e que passa pela Terra com velocidade de várias centenas de km/s e com uma densidade de cerca de 10 átomos/cm3. Sua existência explica inclusive o comportamento de certas caudas de cometas, que agem como se estivessem sob o efeito de um vento eletrificado.

O vento solar está associado ao campo magnético interplanetário originado no Sol com um padrão em espiral comandado pela rotação dele. Para tornar o processo mais complexo, os campos magnéticos que se originam no hemisfério norte do Sol apontam em uma direção enquanto os campos originários no hemisfério sul apontam na direção oposta.

O gás eletrificado do vento solar, portanto, carrega um campo magnético que alcança todo o sistema solar com partículas e radiação. As superfícies planetárias são afetadas a menos que sejam protegidas por uma atmosfera, um campo magnético ou ambos, o que felizmente é o caso da Terra. Mas não é nada fácil, há uma luta constante entre o campo magnético da Terra e as forças do mal, digo, do Sol. No encontro do vento solar com a magnetosfera terrestre, forma-se uma onda de choque, análoga ao estrondo sônico que precede um avião supersônico.

Partículas do vento solar sendo desviadas pelo campo magnético da Terra. Imagem do filme "Dynamic Earth: Exploring Earth's Climate Engine" (Crédito: NASA)

A magnetosfera terrestre tem suas regiões extremas moldadas pelo vento solar assumindo o formato de uma lágrima ou de uma gota. A cabeça desta gota se estende por 65.000 quilômetros "contra o vento" em direção ao Sol e sua cauda se afasta dele, indo além da órbita da Lua, estendendo-se por mais de 600.000 quilômetros. Diferentes regiões do Sol produzem vento solar de diferentes velocidades e densidades. Um clima espacial calmo é consequência de vento solar de baixa velocidade, enquanto tempestades geomagnéticas causam velocidades elevadas, que podem ser incentivadas por ejeções de massa coronal.

Ejeções de Massa Coronal

As ejeções de massa coronal podem liberar bilhões de toneladas de material coronal com um potente campo magnético incorporado. Viajam a velocidades de 250 a 3.000 km/s. As mais lentas levam dias para chegar à Terra, as mais velozes chegam em 15 a 18 horas. Elas se expandem ao se propagarem, podendo atingir um tamanho correspondente a um quarto do espaço entre a Terra e o Sol. Quando viajam mais rapidamente que o vento solar de fundo, causam uma onda de choque que pode acelerar as partículas carregadas aumentando a intensidade das tempestades de radiação.

Ilustração do vento solar moldando a magnetosfera da Terra com tempestades magnéticas se aproximando (Crédito: Steele Hill/NASA)

O campo magnético do Sol tem forte associação com as ejeções de massa coronal. Como o Sol é um fluido, a turbulência tende a causar contorções complexas no seu campo magnético, quebrando-o e potencializando a expulsão de grandes quantidades de plasma.

Tempestades geomagnéticas

Uma tempestade geomagnética causa grandes alterações nas correntes, plasmas e campos na magnetosfera da Terra. Elas encontram condições adequadas quando o vento solar mantem por horas sua alta velocidade e, principalmente, quando está voltado para o sul, sentido oposto à direção do campo magnético da Terra.

Tempestade geomagnética: tempestade que perturba a magnetosfera terrestre e acontece quando a energia do vento solar alcança o ambiente espacial ao redor da Terra. As maiores estão associadas a ejeções de massa coronal solar.

Durante estas tempestades, as correntes na ionosfera, bem como as partículas energéticas que precipitam na ionosfera, adicionam energia na forma de calor que pode aumentar a densidade e a distribuição da densidade na atmosfera superior da Terra. Elas podem atrapalhar sistemas de navegação e criar correntes induzidas geomagnéticas prejudiciais às redes elétricas, porém, para lembrar os bons tempos do relacionamento entre o Sol e a Terra, também desenham belas auroras boreais e austrais, 

O possível fim do relacionamento

Mesmo que ou apesar de estar carregada de seres vivos e até de seres vivos humanos, a Terra pode ter seu fim e não faltam candidatos para causá-lo. Alguns deles, que podem ter efeito fatal ou não, são: cataclismo vulcânico, queda de asteroide, inversão dos polos magnéticos da Terra, explosão de raios gama, colisão da Terra com estrela errante e ameaça interna, como descontrole da fotossíntese, produção excessiva de dióxido de carbono e aquecimento global.

Vulcanismo - extinção em massa: associação de causa-efeito difícil de determinar, embora quatro extinções em massa (final do Ordoviciano – final do Devoniano – final do Permiano – Cretáceo-Paleógeno) das cinco grandes ocorridas na Terra tenham sido contemporâneas de derrames de lava basáltica relacionados às grandes províncias ígneas (respectivamente:  Suordakh na Rússia – Kola na Península Báltica e Yakutsk na Sibéria – Trapes Siberianos – Deccan na Índia).
Risco de queda de asteroide: risco atribuído pela NASA entre 0 e 10 para cada asteroide observado. Até agora nenhum dos riscos analisados foi classificado acima do nível 4, que determina necessidade de atenção, podendo haver dano, embora apenas localizado. Pode-se dizer que os asteroides conhecidos não trazem preocupação, o problema mesmo são os desconhecidos.
Inversão dos polos magnéticos da Terra: inversão que ocorre em média a cada 200.000 anos ou mais, causando danos no meio ambiente e nos recursos tecnológicos. Especulações sem confirmação sugerem que uma inversão deste tipo estaria próxima por causa da Anomalia Magnética do Atlântico Sul.
Anomalia Magnética do Atlântico Sul: anomalia onde a força do campo geomagnético é mais fraca. Estudos revelam que estas anomalias são recorrentes e a do Atlântico Sul deve desaparecer nas próximas centenas de anos, apesar de ter aumentado 5% entre o início de 2020 e o início de 2023.
Explosão de raios gama: explosão mais forte e brilhante do universo, provavelmente gerada durante a formação de um buraco negro. Embora dure apenas alguns segundos, produz tanta energia quanto o sol emitirá em 10 bilhões de anos.
Estrela errante: estrela sem rumo, ejetada de sua galáxia-mãe porque perdeu ligação gravitacional.

Nenhum destes eventos, como é possível constatar, acabou com a Terra nem extinguiu os seres vivos humanos. E se nada disto for fatalmente eficiente ou não acontecer a tempo, a Terra poderá ter seu fim ao ser destruída por alguém com quem tem um longo relacionamento: o Sol.

Acontece que a cada bilhão de anos, ao queimar hidrogênio, o Sol fica 10% mais brilhante, o que não é nada bom para a Terra. Estima-se, inclusive, que em 3,5 bilhões de anos, o Sol será 40% mais brilhante e, inapelavelmente, os oceanos da Terra irão ferver e as calotas polares irão derreter. Nenhum relacionamento resiste quando uma parte é muito mais brilhante que a outra.

Assim, em 4 ou 5 bilhões de anos, após ser queimado todo hidrogênio, restando apenas hélio no núcleo do Sol, ele irá colapsar sobre si mesmo. Neste processo também é liberada energia pelo aumento de pressão e, na sequência, esta energia fará com que o Sol se expanda. Levará mais 5 milhões de anos para se transformar em uma estrela gigante vermelha. Mercúrio, Vênus e, provavelmente, a Terra serão engolidos neste processo. Não é uma novidade, os telescópios da Terra já viram uma estrela crescer e engolir um planeta.

Posteriormente, quando todo o hélio se transformar em carbono e oxigênio, não havendo mais energia radiante, o Sol irá encolher. Será, então, transformado em uma estrela anã branca em aproximadamente 6,5 bilhões de anos.

À Terra, portanto, restará duas opções:
  • escapa do Sol devido à sua gravidade enfraquecida e congela (esta é a opção menos provável) ou
  • é consumida pelo Sol ao ser engolida em sua expansão. 
A boa notícia são os prazos. Quando o Sol aumentar muito seu brilho e bem antes de os oceanos ferverem, aqueles seres vivos humanos já citados, se forem espertos e quiserem sobreviver, já deverão estar bem longe da Terra.

A má notícia é que, para que os tais seres vivos humanos tenham sucesso, terão que pensar em si como espécie e não como indivíduos.

Referências (acessos em 2023):

Conexão Sol-Clima: history.nasa.gov4

Ejeções de massa coronal: earthsky.org

Ejeções de massa coronal: www.swpc.noaa.gov

Energia do Sol: www.nasa.gov1

Estrela engole planeta: www.jpl.nasa.gov

Jetlets: www.nasa.gov2

Morte do Sol: www.livescience.com

Magnetosfera terrestre: history.nasa.gov3


Nosso Sistema Solar e a Terra: bhp-public.oerproject.com


Para onde vamos daqui?: history.nasa.gov5

Parker Solar: www.jpl.nasa.gov

Placas tectônicas e vida na Terra: www.notasgeo.com.br

Sistema Solar: solarsystem.nasa.gov2

Sol e nós: history.nasa.gov2


Sol destruirá Terra: www.independent.co.uk

Sol no espaço: history.nasa.gov1

Tempestades geomagnéticas: www.swpc.noaa.gov

Terra sobrevivente: www.universetoday.com

Vento solar: www.swpc.noaa.gov

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