29 de agosto de 2018

A Terra pulsante - Parte III: O ciclo das rochas

Por Marco Gonzalez


Ponto Siccar (fonte - foto: Dave Souza), um promontório rochoso na Escócia que inspirou o uniformitarismo de James Hutton.

Na década de 1790, o geólogo, químico e naturalista escocês James Hutton (1727 - 1797) defendia o uniformitarismo. Ele  sabia que a Terra era muito antiga e não havia chegado à forma atual por culpa de catástrofes inimagináveis (como acreditavam os catastrofistas), mas por lentas e quase imperceptíveis transformações, muitas delas ainda em curso à nossa volta. Cinquenta anos depois, o advogado e geólogo britânico Charles Lyell (1797-1875) adotou e passou a analisar esses lentos processos transformadores. São processos como aqueles causados pela chuva que erode as montanhas, ou pelo peso de sedimentos erodidos sendo convertidos em camadas endurecidas, ou pela ascensão da rocha derretida à superfície para criar novas rochas ... ou tantos outros.

São esses processos transformadores que fazem com que cada rocha individualmente tenha uma história (geológica) a contar. E é, em tal contexto de Terra dinâmica, que as rochas (assim como os minerais) permanecem estáveis somente sob as específicas condições em que se formam. Alteradas essas condições, as transformações acontecem evolutiva e ciclicamente.


O ciclo das rochas

Hutton, considerado o fundador da moderna Geologia, desenvolveu os fundamentos descritos em seu livro "Theory of the Earth", de 1795, para a concepção do ciclo das rochas clássico. Este ciclo esquematiza uma série de eventos que convertem um tipo de rocha em outro. Ele passou a ser promovido desde a primeira edição do livro "Principles of Geology", de 1830, de autoria de Lyell.  


Seção ideal de parte da crosta da Terra mostrando as origens das rochas aquosas (sedimentares), vulcânicas, metamórficas e plutônicas - Frontispício de "Elements of Geology", de 1839, ou da segunda edição americana de 1857 de "Principles of Geology", ambos de Charles Lyell. 


Ciclo das rochas conforme idealizado por Hutton, à esquerda, (fonte) e o ciclo das rochas em sua versão clássica, à direita (fonte).

Esses fundamentos foram essenciais para que diversos autores produzissem versões do ciclo das rochas, algumas básicas outras nem tanto. Seguem alguns exemplos.


Exemplos de diagramas do ciclo das rochas (clique em cada figura para acessar a fonte correspondente)

Após Hutton, em 1795, e Lyell, em 1830, uma análise sobre o ciclo das rochas não pode dispensar o auxílio do astrônomo alemão Alfred Lothar Wegener que desenvolveu a teoria da tectônica de placas e, em 1915, publicou o livro "The Origins of Continents and Oceans". Ele disse: "Todas as ciências da terra devem contribuir com evidências para desvendar o estado de nosso planeta em épocas anteriores, e a verdade da questão só pode ser alcançada pela combinação de todas essas evidências". Então, em 1966, o geofísico canadense John Tuzo Wilson levantou a questão "did the Atlantic close and then re-open?" e encontrou evidências para um outro ciclo.

As rochas e o Ciclo de Wilson

É possível notar que os diferentes estágios do Ciclo de Wilson podem ser caracterizados através dos tipos de rocha presentesNa tabela a seguir, esses estágios (com exceção do estágio em Peneplano) são associados a contextos litológicos específicos.


Estágio
Movi-mentos domi-nantes
Estruturas caracte-
rísticas
(I) Rochas ígneas típicas
(S) Sedimentação típica e
(M) Metamorfismo
1.
Embrio-nário
Soergui-mento
Vales de rifte
(I) Derrames de basalto toleítico, núcleos de basalto alcalino
(S) Sedimentação secundária
(M) insignificante
2.
Juvenil
Expansão
Mares estreitos com margens paralelas e depressão central
(I) Derrames de basalto toleítico, núcleos de basalto alcalino
(S) Depósitos em bacias e plataformas e possíveis evaporitos
(M) Insignificante
3.
Maduro
Expansão
Bacias oceânicas com dorsais meso-oceânicas ativas
(I) Derrames de basalto toleítico, núcleos de basalto alcalino
(S) Abundantes depósitos em plataforma (miogeosinclinal)
(M) Secundário
4.
Em declínio
Contração
Arcos insulares e fossas adjacentes em torno das margens
(I) Andesitos e granodioritos nas margens
(S) Abundantes depósitos derivados de arcos insulares
(M) Extensivo localmente
5.
Terminal
Contração e soergui-mento
Montanhas jovens
(I) Rochas vulcânicas e granodioritos nas margens
(S) Abundantes depósitos derivados de arcos insulares
(M) Extensivo localmente
6.
Em sutura
Contração e soergui-mento
Montanhas jovens
(I) Secundárias
(S) Red beds
(M) Extensivo
Características dos estágios do Ciclo de Wilson (fonte)

No início dos anos 2000, Whitmeyer, Fichter e Pyle propuseram um Ciclo de Wilson detalhado com nove estágios denominado "Ciclo de Wilson Completo". Ele incorpora os principais eventos tectônicos no contexto da vida útil de uma bacia oceânica, tentando equacionar processos tectônicos dependentes do tempo com ambientes característicos formadores de rochas.


  "Ciclo de Wilson Completo" (fonte) com alguns casos de litologia típica
  • Estágio A - Craton continental estável. Representa um craton continental tectonicamente estável e erodido, em perfeito equilíbrio isostático, cercado por bacias oceânicas ao redor. 
  • Estágio B - Hotspot e rifteamento. Das profundezas do manto, sobe um hotspot. O calor aquece a crosta continental, fazendo-a se expandir e inchar. Ela se estica e se enruga até que a superfície se rompe ao longo de três vales que se irradiam a partir do centro do hotspot.
  • Estágio C - Criação de nova crosta oceânica. O hotspot em um sistema de rifteamento cria uma nova bacia oceânica e um novo limite divergente entre placas.
  • Estágio D - Margens continentnais divergentes se completam. As placas se afastam com a bacia oceânica tendo uma dorsal no limite das placas com a crosta oceânica mais quente e jovem nas proximidades da dorsal.
  • Estágio E - Construção de arco de ilhas. Em algum momento, entretanto, a divergência cessa e os dois continentes começam a se mover um contra o outro. É criada uma zona de subducção e um arco de ilha é formado.
  • Estágio F - Colisão do continente com o arco de ilhas. Continente e ilhas vulcânicas colidem e a bacia oceânica remanescente é reduzida a uma zona de sutura.
  • Estágio G - Construção de arco continental de cordilheira. Outra zona de subducção se forma juntamente com fossas oceânicas.
  • Estágio H - Construção de cordilheira por colisão continente-continente. A bacia oceânica se fecha com a colisão dos continentes.
  • Estágio I - Craton continental estável. O ciclo chega ao fim com um novo continente mais complexo que o inicial do estágio A.
A cada rodada do Ciclo de Wilson aumenta a diversidade das rochas na Terra. Também aumenta o volume da rochas ígneas félsicas com previsível crescimento dos continentes. Este crescimento fica claro ao observarmos que, em comparação ao continente do estágio A, o continente do estágio I é maior e mais complexo litologicamente.

integração do Ciclo de Wilson com o ciclo das rochas permite que a gênese dessas rochas seja contextualizada em configurações tectônicas e ambientais. E, através desta comparação, é possível observar que na Terra não há apenas um ciclo de rochas, mas um ciclo evolutivo de rochas.

O ciclo evolutivo de rochas

Os ciclos dos supercontinentes, vistos em dimensões espaciais e temporais, descrevem ambientes tectônicos e deposicionais que devem ser considerados no estudo dos tipos das rochas. As causas que as formaram evoluíram e seu ciclo deve integrar os conceitos da visão tradicional aos processos específicos da tectônica de placas que concebe um modelo de como a Terra funciona e evolui.

Nesse modelo, a energia do interior da Terra tem impulsionado a evolução físico-química do nosso planeta, sendo responsável pelo dinamismo geológico, com reflexo em muitos aspectos que vão da topografia até a formação das rochas. 

Em um planeta assim, dinâmico desde sua origem, onde se observa o aumento da diversidade e da distribuição das rochas no tempo geológico, as teorias tectônicas atuais têm imposto o reconhecimento de regimes específicos ao tradicional ciclo das rochas. É notável que, por exemplo, os granitos altamente aluminosos e fracionados mais recentes produzidos pelo derretimento da crosta continental não são encontrados na crosta do Arqueano.

Assim como a teoria das placas tectônicas tem sido essencial para entender a história geológica da Terra, ela ajuda a entender a formação e os tipos das rochas. Este entendimento se viabiliza através de uma ponte que liga os tipos de rochas a cratons, bacias oceânicas e margens divergentes, convergentes e transformantes.

Ciclo das rochas em versão contextualizada (fonte)

Os ambientes de formação de cada tipo de rocha, localizados na figura acima, sugerem processos que podem ser estudados com o objetivo de entender a história que cada uma dessas rochas pode contar. São eles:
  • Formação de crosta oceânica: neste processo, com a dorsal em formação, podem ser produzidos basaltos e gabros.
  • Destruição de crosta oceânica por subducção: as rochas são fundidas, recicladas e reintegradas ao manto, mas parte do material derretido pode subir e formar vulcões e ainda outra parte pode permanecer metamorfoseada.
  • Transformação por metamorfismo na subducção: o metamorfismo é um processo isoquímico que afeta qualquer rocha sob pressão e temperatura suficientemente elevadas, inclusive pela proximidade do magma. Podem ocorrer rearranjos dos elementos da rocha ou mesmo mudanças mineralógicas.
  • Formação de arco de vulcanismo: com a subducção, o material fundido que sobe pode produzir rochas como andesitos e granitos.
  • Peneplanização por intemperismo: O intemperismo é o destino de qualquer rocha que se eleve à superfície ou seja formada ali. Ocorre corrosão química e desgaste físico proporcional à elevação das cadeias de montanhas. Parte do material produzido chega aos oceanos. Rochas sedimentares, como calcários e evaporitos, podem, antes, sofrer rápida dissolução. Outras rochas podem ser transformadas em partículas de sedimentos que, transportadas e depositadas sob pressão, podem se transformar em rochas sedimentares. 
Seguem alguns outros exemplos de diagramas para o ciclo das rochas em versão contextualizada.


Exemplos de ciclo das rochas em versão contextualizada (clique em cada figura para acessar a fonte correspondente)

Mais alguns exemplos de diagramas que associam o tipo de rocha ao ambiente de formação são apresentados a seguir.



Exemplos de associação do tipo de rocha ao ambiente (clique em cada figura para acessar a fonte correspondente)

Em resumo, pode-se dizer que, diretamente, a movimentação das placas tectônicas provoca a formação de rochas ígneas e metamórficas. Além disso, as elevações (às vezes relativas) de áreas da crosta causada por esses movimentos aumentam a probabilidade da ação de agentes de intemperismo e erosão e, de forma indireta, as placas fazem surgir as rochas sedimentares.

Reflexão


A Terra é uma velha senhora que se recicla lentamente através de calor, pressão e desgaste. A medida que evolui no tempo geológico, deixa pistas que revelam seus segredos e sua intimidade. Para entendê-la, precisamos estar atentos a estas pistas. Elas poderiam estar presentes, por exemplo, em outros ciclos da natureza?

Artigos relacionados:

A Terra pulsante - Parte I: O Ciclo de Wilson


A Terra pulsante - Parte II: Os ciclos dos supercontinentes


A Terra pulsante - Parte IV: Outros ciclos da natureza

A Terra pulsante - Parte V: o ciclo geomorfológico

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