4 de fevereiro de 2018

A mineração e a Quarta Revolução Industrial

Por Marco Gonzalez


Dígitos ao estilo de Matrix, o filme (por Designwebjae em pixabay)

Chegamos até aqui porque no caminho encontramos as máquinas a vapor da Indústria 1.0 que aumentaram nossa força, a eletricidade da Indústria 2.0 que automatizou a produção em massa e os computadores da Indústria 3.0 que intensificaram digitalmente nossa eficiência. E agora? Estamos de posse do controle remoto, os sensores estão posicionados, surgem cada vez mais dados para analisar e precisamos de sistemas cada vez mais inteligentes. Estamos entrando na Indústria 4.0.

Esta Quarta Revolução Industrial, com sua nova versão da indústria, vem acompanhada da internet das coisas e da computação em nuvem. Neste cenário de inovações onde emergem a nano e a biotecnologia, drones e robôs assumem suas posições. 

Onde tudo isso nos leva? Seremos dominados pelos circuítos de Hall? Alcançaremos o mundo futurista da família Jetson? Ou viveremos virtualmente como em Matrix? 


Nanotecnologia

nanotecnologia é a tecnologia que permite controlar átomos e moléculas individualmente. Para tanto, examinamos tudo em uma escala nanométrica, ou seja, entre 1 e 100 nanômetros (1 nanômetro = 1x10⁻⁹ metro). Como a escala nanométrica se situa entre a escala atômica (menor que 1 nanômetro) e a micrométrica (maior que 100 nanômetros), essas dimensões fogem à nossa régua do dia a dia. Por exemplo, a espessura de uma folha de jornal tem cerca de 100 mil nanômetros. Porém, tudo na Terra é composto de átomos, inclusive as rochas e os minerais, portanto...

Com a ajuda da nanotecnologia, podemos analisar as razões das diferenças entre o diamante e o grafite, por exemplo, pois suas propriedades (dureza, transparência, condução da eletricidade, ...) decorrem da forma como os átomos de carbono se unem em escala nanométrica.


Diamante e grafite e suas respectivas estruturas em escala nanométrica (por Itub)

Apesar de o termo nanotecnologia ter sido citado pela primeira vez por Richard Feynman, em 1959, e definido pela Universidade Científica de Tóquio em 1974, somente a partir do ano de 2000, esta tecnologia começou a ser desenvolvida e testada em laboratórios. Paradoxalmente, a escala nanométrica é tão pequena que acabou abrindo espaço para muitas possibilidades.

Essas possibilidades incluem aplicações na mineração. Por exemplo:
  • A nanotecnologia pode desempenhar importante papel na redução do impacto ambiental da mineração através da remoção de metais pesados ​​presentes na drenagem ácida de minas. Fica clara a utilidade disso quando sabemos que há diferentes concentrações de arsênio, urânio, selênio ou sulfato nas águas subterrâneas ou superficiais em vários países como Índia, Bangladesh, Quirguistão, Bolívia, Países Baixos, Itália, México, EUA, Coreia, Austrália, Alemanha, Brasil, Chipre, Mongólia, Myanmar, Espanha, Chile e Noruega.
  • Em 2011, o canadense Robert Pelton e seus colegas da Universidade McMaster, no Canadá, desenvolveram uma técnica usando nanotecnologia para recuperar até 100% dos metais preciosos - ouro, prata, cobre e outros - contidos em minério. Além de recuperar uma quantidade maior de metais, a nanotecnologia viabiliza depósitos minerais de teor abaixo do que antes se considerava economicamente recuperável. 
  • Em 2017, o Gübelin Gem Lab, da Suíça, lançou o seu Emerald Paternity Test, que usa nanotecnologia para rastrear a origem de esmeraldas. Ele foi testado com êxito na maior mina de esmeraldas do mundo, a Kagem, na Zâmbia
  • Neste ano, a empresa canadense MGX pretende utilizar nanotecnologia para apressar a extração de lítio de campos petrolíferos. O processo natural leva de 18 a 24 meses para a produção de lítio. A abordagem de nanofiltração permite a rápida separação de óleo, minério, água e outros poluentes físicos e, assim, o lítio será produzido em apenas um dia ou menos.  
Biomineração


Mina de Mary Kathleen, em Queensland, Austrália, abandonada e aguardando biomineração para terras raras (por Jcdubya)

A biomineração é o processo de mineração que usa microorganismos (micróbios) para a extração de metais a partir de minério ou de resíduo de minas, ou ainda para limpar locais contaminados com esses metais. A biomineração abrange biolixiviação e bio-oxidação. Na biolixiviação, o metal de interesse, ligado a um composto de sulfeto biologicamente oxidado, é solubilizado diretamente. Na bio-oxidação, o metal de interesse se encontra em uma matriz formada por sulfetos de outros metais. Estes são solubilizados tornando o metal de interesse disponível para recuperação posterior.

A mineração com microrganismos é atualmente adotada na produção mundial de cerca de 5% do ouro, 20% do cobre e, em menor grau, na produção de níquel, zinco, cobalto e terras raras. A biomineração é uma opção econômica e ecológica para diversos casos espalhados pelo mundo. Por exemplo:
  • Desde 2015, a BioSigma, utilizando biotecnologia, opera com a Codelco, no Chile, para o processamento de minérios de cobre de baixo teor. Ela tem conseguido entre 30 e 50% mais cobre e em tempo três vezes mais rápido em comparação com sistemas de biolixiviação convencionais.
  • Desde 2017, o Zimbabwe desenvolve projetos para utilizar a biomineração na extração de ouro, cobre e outros metais de concentrados minerais de baixos teores. Essa tecnologia já está em uso na África do Sul.
  • Há diversos outros casos adequados para a biomineração, como a mina de Mary Kathleen, na Austrália, que é considerada esgotada apesar de ainda conter aproximadamente US$ 4 bilhões em terras raras. Ou as minas de Sudbury, no Canadá, onde há estimativa de haver até US$ 7 bilhões em níquel desperdiçado nos rejeitos.
Inteligência artificial

 Um primo e a primeira ferramenta. Um exemplo de aquisição e aplicação de conhecimento e habilidade (por Fandom)
Cena do filme "2001 - uma odisseia no espaço".

Inteligência é a capacidade de adquirir e aplicar conhecimentos e habilidades.  Estes são processos razoavelmente fáceis de serem executados quando falamos de nós mesmos, mas, no caso das máquinas, não são triviais. 

Em 1956, o americano John McCarthy criou o termo "Artificial Intelligence" para descrever um mundo onde as máquinas seriam capazes de “resolver os tipos de problemas que hoje são reservados aos humanos.” 

Assim, inteligência artificial é a capacidade que uma máquina ou um sistema computacional tem para simular a inteligência humana, particularmente simular atividades como aprendizagem, raciocínio e auto-correção.

Tudo isso parece ficção científica, mas já não é. Na década de 1990, redes neurais artificiais, utilizadas na obtenção de inteligência artificial, foram aplicadas com sucesso para prever depósitos de ouro disseminado em rochas sedimentares, nos EUA, e depósitos de sulfetos maciços, no Japão. E nem se falava em Indústria 4.0. Redes neurais artificiais e aprendizagem de máquina podem ser encontradas em produtos ou aplicações voltados à geologia e à mineração. Estes são alguns exemplos:
  • A Beak Consultants desenvolveu o Advangeo® Prediction Software, um software para predição espacial, que usa redes neurais artificiais, bases de dados e sistemas de informação geográfica. Uma de suas aplicações é a geração de mapas preditivos para geologia.
  • Em 2017, um dos finalistas do #DisruptMining, a Goldspot Discovery, desenvolveu um processo que usa aprendizagem de máquina para encontrar depósitos de ouro. Com ele foi possível prever 86% dos depósitos existentes na região do cinturão de ouro de Abitibi, no Canadá, usando dados geológicos, topográficos e mineralógicos de apenas 4% da superfície total.
  • A TOMRA desenvolveu tecnologia baseada em aprendizagem de máquina para classificação de minério. Na mina de Boliden, na Suécia, obteve 12% de diminuição do material a ser movimentado. Na mina de Lulo, em Angola, a mesma tecnologia de triagem possibilitou a recuperação de um diamante de 227 quilates.
A Internet das Coisas (IoT)


A Internet das Coisas e a conexão em nuvem (por Pixabay)

A IoT consiste em "coisas" conectadas através da Internet, como uma cafeteira, o motor de um avião a jato ou uma sonda de perfuração de petróleo, basicamente qualquer coisa que tenha um interruptor para ligar e desligar. Há previsões de que, em 2020, poderemos ter mais de 26 bilhões de conexões entre esses dispositivos (coisas) através da IoT.

A ideia central da IoT consiste em colocar sensores nos dispositivos (máquinas) para gerar grande quantidade de dados brutos a serem analisados ​​em tempo real. Essa análise dos dados produzirá ações recomendáveis ​​aos operadores das máquinas ou diretamente a elas. 

O problema é que a geração de uma quantidade sem precedentes de dados coloca enorme pressão sobre a infra-estrutura da Internet. Então, para aliviar tal pressão resolvendo o problema de armazenagem e gerenciamento dos dados, a computação em nuvem apresenta-se como solução para fornecer caminhos e locais (centros de dados) não apenas para os dados, mas também para aplicativos, fotos, vídeos e muito mais. Algumas das plataformas de nuvem IoT mais populares no mercado já estão funcionando: Amazon Web Services, GE Predix, Google Cloud IoT, Microsoft Azure IoT Suite, IBM Watson e Salesforce IoT Cloud.

A IoT tem, assim, o objetivo de melhorar o desempenho, aumentar a produtividade, eliminar custos e desperdícios desnecessários, além de antecipar as falhas das máquinas. Esses benefícios são especialmente valiosos em um setor mineral sob pressão. Há análises que mostram que a produtividade global do setor diminuiu 3,5% anualmente de 2004 a 2013.

Até 2020, na Quarta Revolução Industrial, mais da metade dos novos negócios funcionarão através de IoT. Dentre as previsões para a mineração, o grupo BDO de auditoria e consultaria afirma que, até 2020, 50% dos trabalhadores da mineração serão substituídos por robôs que, por sua vez, serão controlados pela tecnologia comandada por mineiros treinados para isso. Outra previsão é de que um dos benefícios desta revolução será a redução de 75% dos acidentes do setor.

O robô de mineração Robominer® (fonte)

A IoT já tem histórias na mineração para contar. Por exemplo:
  • Dundee Precious Metals (DPM), sediada em Toronto, no Canadá, explora uma mina subterrânea de cobre e ouro na Bulgária e outras minas em países como Namíbia e Armênia. Em 2014, quatro anos após iniciar ações pretendendo um aumento de produtividade de 30%, conseguiu um aumento de 400% com o gerenciamento das suas minas através de uma rede integrada de tecnologias como virtualização, robótica, IoT, sensores, conectividade e mobilidade. Entre os benefícios obtidos estão: colaboração aprimorada e capacidade de comunicação em tempo real, solução remota de problemas e manutenção pró-ativa, melhoria na segurança, melhoria da utilização de ativos (por exemplo, veículos), custos de comunicação menores e melhoria no planejamento da produção.
  • A Rio Tinto tem uma frota de 76 caminhões auto-conduzidos em suas minas da Austrália. Diz a empresa que eles são mais seguros e têm custo de operação 15% menor que aqueles que levam seres humanos ao volante. Podem operar 24 horas por dia e 7 dias por semana sem interrupção a não ser para manutenção. A BHP também já anunciou que sua mina Jimblebar, também na Austrália, mudará para caminhões totalmente autônomos. 
  • Desde 2017, a mina de magnetita Citic Pacific, da Austrália, usa IoT para controlar seus veículos leves, ônibus e caminhões de serviço. Em poucos meses, a empresa teve um retorno de 200% sobre o investimento feito apenas em economia de combustível. E já analisa recursos para monitorar a saúde dos funcionários e a segurança nos locais de trabalho.
  • O Robominer® da SRI do Vale do Silício e da Enaex chilena é um robô de mineração desenvolvido para ajudar a escavar em áreas que são muito perigosas para os seres humanos explorarem. Ele é um humanoide (ver foto acima) com visão e vários sensores, comandado remotamente e com locomoção por rodas em qualquer terreno. Em 2018, inicia-se a segunda fase para aumentar a capacidade de uso do Robominer®.
  • A DataCloud é uma startup com sede em Seattle, EUA, que desenvolveu um serviço em tempo real baseado em nuvem para ajudar os mineiros a avaliar a qualidade das rochas que estão minerando. Em 2018, a DataCloud levantou uma nova rodada de financiamento para estimular sua expansão. 
relatório da Inmarsat, "The Future of IoT in Enterprise - 2017", ao coletar dados de 100 mineradoras globais, concluiu que a implantação de IoT para elas tem, como prioridades, o monitoramento de mudanças ambientais (47%), aumento da relação custo-eficácia (44%) e proteção da força de trabalho (43%).

Evitando a futurologia


Gravura "A Futuristic Vision", de 1829 (por William Heath)
A gravura prova como é difícil prever o futuro.

Como sempre é arriscado prever o futuro, vamos nos restringir a destacar algumas tendências. 

As máquinas incorporadas com sensores para coletar dados que permitam a comunicação entre elas é uma inovação cada vez mais real. Esse processo, no setor mineral, já produz grandes quantidades de dados que vão se tornando mais importantes e imprescindíveis.

Cresce a frequência dos pacotes de software de análise inteligente assumindo as complexas tarefas da mineração, como a geomodelagem, o agendamento diário e a manutenção preditiva. Além disso, smartphones e outras novas ferramentas portáteis de interação tornam-se mais amigáveis e aceitas pelos trabalhadores da mineração. Roupas de trabalho com sensores e controles operacionais remotos não são mais coisas do futuro.

Neste contexto, podemos assumir duas posições diferentes perante as inovações da Indústria 4.0 que chegam com velocidade, alcance e impacto: uma pessimista e outra otimista.

A posição pessimista destaca a seguinte dúvida: "De que vale todo o esforço se acabarão eliminadas cinco milhões de vagas de trabalho dos 15 países mais industrializados do mundo?"

A outra posição, a otimista, leva-nos a refletir sobre o enorme potencial que a Indústria 4.0 tem para elevar a produtividade global e melhorar a qualidade de vida das pessoas.

A mineração e a Terceira Revolução Industrial

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