12 de setembro de 2017

Fatos. A questão do nióbio e a ficção

Por: Marco Gonzalez

Hugo Drax e o agente 007 em Moonraker (por Wikimedia Commons)

Na época da guerra fria, a empresa britânica Drax Metals Ltd possuia o monopólio do mineral columbita. Com ele seria possível construir um míssil nuclear cujo motor suportaria elevadas temperaturas de combustão e teria enorme capacidade de propulsão. Isto é o que arquitetava o vilão Hugo Drax com o objetivo de destruir a humanidade com um gás letal.  

No Brasil não se chega a tanto, mas o que se diz é que o "monopólio" brasileiro do nióbio gera cobiça mundial e constata-se que causa controvérsias e mitos. Desde a campanha eleitoral presidencial brasileira de 1994 se fala na questão do nióbio.


Este metal é explorado, no Brasil, principalmente pela Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM) e pela Mineração Catalão de Goiás. A CBMM produz 80% do nióbio no mundo.

Neste contexto, em 2004, a Câmara dos Deputados ouviu o seguinte discurso sobre a questão do nióbio: "É preciso ter coragem para sentar à mesa de negociações, não como uma criança, não como subalterno, mas falando como nação adulta, responsável, e não de joelhos, exigindo o preço justo pelos nossos minérios. Se não quiserem pagar o preço justo, não receberão nem um miligrama de nióbio. E os países ditos ricos terão de parar de fabricar seus aviões supersônicos, porque o nióbio é imprescindível para a fabricação desse tipo de aeronave, e só o Brasil tem nióbio, na verdade mais de 95% do nióbio do planeta." 

Em 2016, a mesma Câmara dos Deputados ouviu novo discurso sobre a mesma questão: "Nós sabemos que o nióbio gera cobiça internacional. Ele é voltado para a indústria de alta tecnologia e é utilizado em uma série de produtos, ... Digo que 90% do nióbio negociado no mundo vem do Brasil e o restante, basicamente do Canadá. O nióbio pesa na balança comercial deles; aqui o peso é praticamente insignificante."

A destruição da humanidade com um gás letal, objetivo de Hugo Drax, não deu certo por causa de um agente inglês. Seu nome é Bond, James Bond.

Na Câmara dos Deputados, no Brasil, o discurso de 2004 foi proferido por um deputado e seu nome era Enéas, Enéas Carneiro.

O discurso de 2016 foi de outro deputado. Seu nome é Bolsonaro, Jair Bolsonaro.

Mas o que há de comum entre Bond, Enéas e Bolsonaro? Nada, que se saiba, mas entre as empresas Drax Metals Ltd, CBMM e Mineração Catalão há um metal em comum. Seu nome é nióbio. Ele pode ser extraído do mineral columbita. 

Seria isso tudo ficção?

Pode-se garantir que a história de Drax e Bond é pura ficção pois pode ser lida em Moonraker, livro de autoria de Ian Fleming. Ele conta uma das aventuras de 007 onde M, a chefe de Bond, pede que Hugo Drax seja investigado. Tudo mais acontece como pode ser visto no filme "007 contra o foguete da morte".

Entretanto nem tudo na ficção de Fleming está fora da realidade. O nióbio realmente é um metal refratário com ponto de fusão a 2.468ºC, o que faz com que as ligas onde está presente sejam soluções estruturais para aplicações que enfrentam altas temperaturas (até 1.300ºC). Portanto, o motor do foguete da morte de Hugo Drax teria o sucesso pretendido, se dependesse apenas do nióbio.

E os discursos de 2004 e 2016 na Câmara dos Deputados? Seriam motivados por ficção?

O mercado

Quando a demanda é maior que a oferta, sabe-se que não é ficção que o preço do produto oferecido sobe. Sabe-se também que a demanda de nióbio tem aumentado. Entre 2003 e 2012, o volume de ferro-nióbio (principal fonte de nióbio para fabricação de aço de alta resistência) exportado cresceu 110%. 

O comércio exterior do setor mineral tem a distribuição apresentada no gráfico acima, segundo o Informe Mineral do DNPM do 2º semestre de 2016. Nesta distribuição coube ao nióbio o 4º lugar no porcentual das principais commodities minerais exportadas pelo BrasilO Ministério de Minas e Energia prevê para o nióbio um aumento de produção de quase 94% em relação a 2015, conforme o Plano Nacional de Mineração 2030.


Valor por quantidade contida em 2015

Desprezando os estoques e utilizando dados de 2015, constantes do Anuário Mineral Brasileiro de 2016, é possível calcular, para cada substância mineral, o valor comercializado por quantidade contida (valor total comercializado dividido pela quantidade contida na produção beneficiada). O nióbio seria a 4ª substância mais valiosa, tomando como parâmetro este valor calculado (ver tabela acima), dentre as principais substâncias metálicas analisadas naquele anuário.

A lógica diz que, para tornar o nióbio mais valioso, bastaria aumentar seu preço, mas especialistas alertam que tal aumento poderia incentivar sua substituição por produtos similares ou forçar a busca de outras fontes. Isto é possível já que há outros países desenvolvendo projetos para exploração de nióbio. Os especialistas lembram o caso das terras-raras, quando a China decidiu reduzir a oferta e aumentar o preço: surgiram novos projetos de produção de terras-raras e a estratégia não deu certo.

De acordo com o Sumário Mineral do DNPM de 2015, o Brasil possui 98,2% das reservas mundiais de nióbio e tem participação de 93,7% no mercado deste metal no mundo. A CBMM detém reservas com durabilidade estimada em 200 anos, mantendo-se a produção atual. 

Na aventura de Ian Fleming, James Bond derrota Hugo Drax que, assim, não conseguiu usufruir do monopólio da columbita, mas isto é ficção.

Um comentário:

Ex-microempresário disse...

O Brasil aproveitaria melhor seu nióbio se produzisse aços de alta tecnologia com ele. Como nossa industria siderúrgica é de terceiro mundo, exportamos o nióbio bruto para os outros países, que sabem transformá-lo em produtos de maior valor agregado.
Como no Brasil a maioria acha que o caminho para o desenvolvimento é o governo criar novas estatais, a chance de vermos a situação mudar é pequena.

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