7 de janeiro de 2018

A mineração e a Primeira Revolução Industrial

por Marco Gonzalez

Óleo sobre tela "Iron and Coal" de 1855-60 de William Bell Scott (Fonte: Alcinoe).

O processo de produção, sem divisão de trabalho, era totalmente controlado pelos artesões em manufaturas (oficinas artesanais) quando em meados do século XVIII, na Inglaterra, aconteceu a Primeira Revolução Industrial, a "Era do carvão e do ferro". A produção manual passou a ser mecanizada com máquinas movidas a vapor que usavam carvão como combustível, substituindo fontes tradicionais de energia mecânica, como a roda de água, a roda de vento e a tração animal. Os vapores do progresso transformaram o artesão em funcionário assalariado.

Porém, com o advento da eletricidade e da transformação do ferro em aço, a linha de montagem, no final do século XIX, colocou em ação a Segunda Revolução Industrial, a "Era do aço e da eletricidade". O carvão foi sendo substituído pelo petróleo como combustível e a indústria incorporou inovações da siderurgia e da química. O dínamo foi aperfeiçoado e foram inventados o motor de combustão interna, o telégrafo e, para acompanhar tudo de perto, os sindicatos. 

E isso tudo ainda não era nada, pois com as inovações da eletrônica, da tecnologia da informação e das telecomunicações, na segunda metade do século XX, aconteceu a Terceira Revolução Industrial. Podemos chamá-la de Revolução Tecnológica ou "Era digital", resultado da junção do conhecimento científico com a produção industrial, que propiciou a tão desejada tecnologia de ponta (high-tech). Passamos ao domínio da televisão, das novelas, da Internet e do facebook.

Então, com a fusão de diversas tecnologias e a interação de três domínios, o físico, o digital e o biológico, desde a virada do século estamos presenciando aos poucos os ajustes da Quarta Revolução Industrial, também conhecida como "Indústria 4.0". Sua característica principal é a hiper-conexão, decorrente do surgimento da Internet das coisas. Estão por aí as nanotecnologias, as neurotecnologias, a robótica, a inteligência artificial, a biotecnologia, sistemas de armazenamento de energia, os drones, as impressoras 3D e, talvez, Hal 9000, o computador de "2001 - uma odisseia no espaço", que já está atrasado para ser desligado.

Mas vamos iniciar pelo início, pela Primeira Revolução Industrial.

Do Brasil para a Inglaterra

A primeira grande corrida do ouro, nos EUAaconteceu em 1848, mas bem antes, em 1819, o Barão de Echewege já estava abrindo a Mina da Passagem, em Mariana, Minas Gerais. Iniciava-se um período de lavra mais sofisticada de ouro. A Mina da Passagem abriu passagem para outras como a Mina Velha, em 1834, da Saint John Del Rey Mining Co., em Nova Lima, também em Minas Gerais. Essas duas minas, implantadas por mineradores ingleses e alemães, brilhavam como referência mundial em tecnologia de lavra subterrânea.  


Saint John Del Rey Mining Co., em Nova Lima, 1869 (Fonte: Augusto Riedel).

Naquela época (e até o final do século XIX), as rochas brasileiras eram "perfuradas" com ponteiras e marretadas e desmontadas com pólvora caseira. Tal processo não era muito diferente daquele usado na abertura de túneis ferroviários, nas Montanhas Rochosas dos EUA na década de 1860. Lá, os avanços não ultrapassavam 30 cm, apesar de se ter notícia, já em 1813, de uma perfuratriz rotativa a vapor projetada pelo inglês Richard Trevithick. Trinta anos depois, perfuratrizes mecânicas, também inglesas, atacavam as rochas com brocas movendo-se como um pistão em um cilindro

Com ponteiras e marretas ou não, no século XVIII, acordos comerciais não muito espertos deixaram a economia portuguesa dependente da Inglaterra. Em consequência, o ouro extraído no Brasil era enviado para que Portugal pagasse a importação dos produtos ingleses. O lado positivo de tudo isso é que se pode dizer que o ouro brasileiro financiou parte da Revolução Industrial em marcha na Inglaterra desde a metade do século XVIII.

Do ouro para o carvão

As minas de carvão foram causa e consequência da Primeira Revolução Industrial, exigindo e viabilizando inovações que caracterizaram aqueles tempos. 

Essas minas inglesas eram acessadas por elevadores movidos pela força de pôneis e mulas, animais baixos e resistentes. Seus pequenos vagões e as cargas transportadas eram puxados pela mesma "força motriz" fazendo com que cerca de 50 animais convivessem nas galerias com os mineiros.

O progresso chegou, em 1698, na forma da primeira máquina a vapor de interesse industrial construída pelo engenheiro militar inglês Thomas Savery. Sua principal função era a retirada da água das minas de carvão. Ainda que tenha trazido grandes avanços para a mineração, era um equipamento com gênio explosivo, revelado frequentemente através da elevada pressão do vapor. Então, por volta de 1712, o inglês Thomas Newcomen idealizou uma nova máquina mais segura e prestativa, podendo tanto retirar a água quanto os materiais das minas. 


Réplica da casa de máquinas de 1712, com a máquina a vapor de Thomas Newcomen (Fonte: Tony Hisgett).

De qualquer forma, a vida mineira não era tranquila. Em 1815, o químico inglês Sir Humphrey Davy recebeu uma carta de mineiros de Newcastle relatando outro perigo. A combinação do gás metano com as lâmpadas usadas para a iluminação das minas era seguidamente a causa de incêndios e explosões fatais. Compreendendo a situação e para resolvê-la, Sir Humphrey criou a lâmpada "Davy". No mesmo ano o engenheiro ferroviário George Stephenson também inventou uma lâmpada de segurança.


Lâmpadas de segurança de Davy e de Stephenson (Fonte: Samuel Smiles).


Do carvão para o ferro

As minas de carvão não estavam associadas à fundição do ferro, onde era utilizado carvão vegetal. Em 1735, os irmãos Darby o substituíram pelo coque, derivado do carvão mineral. Esse processo se difundiu a partir de 1760 na Inglaterra.

Desde então, carvão e ferro prosseguiram juntos na Primeira Revolução industrial que embalou de vez com a máquina de James Watt. Ele fabricava instrumentos para a Universidade de Glasgow e, em 1765, aperfeiçoou a máquina a vapor de Newcomen, tornando-a mais eficiente e menos dispendiosa. A máquina ganhou um condensador para minimizar as perdas de calor e passou a ser usada para finalidades diversas, desde a fundição até a propulsão de moinhos, além de continuar operando nas minas de carvão.  


Óleo sobre tela "James Watt and the Steam Engine: the Dawn of the Nineteenth Century", de 1855, de James Eckford Lauder (Fonte: Scottish National Gallery).

Em 1781, a máquina a vapor de Watt permitiu o aumento do tamanho dos fornos impulsionando a produção de ferro fundido. Em 1783, Henry Cort desenvolveu técnicas para a retirada das impurezas e permitiu a produção de ferro com maior rapidez e em larga escala. 

Mais carvão, mais ferro...

Máquinas a vapor mais potentes exigiam mais carvão e produziam mais ferro fundido. Com mais ferro era possível construir mais máquinas que, assim, exigiam mais carvão. Assim a produção de ferro aumentava e as minas de carvão prosperavam.

Este casamento do carvão com o ferro fez com que as fábricas se localizassem nas proximidades das minas de carvão, o que fez surgir pequenas aldeias que logo se transformaram em grandes cidades industriais. 

Diversas causas fizeram esse progresso consistente se expandir. A energia a vapor, adotada como nova força motriz, funcionava em qualquer estação do ano e em qualquer lugar, ao contrário da força hidráulica. Além disso, através de correias de transmissão, tornou-se viável o funcionamento simultâneo de vários equipamentos, como as máquinas de fiar e os teares. 

... e mais progresso

Em meio às inovações no setor mineral e na siderurgia, a indústria têxtil evoluiu caracterizando a Primeira Revolução Industrial. Em 1767, James Hargreaves inventou a "spinning jenny" e, em 1779, Samuel Crompton criou a "mule janny", máquinas de tear que permitiram a manufatura em larga escala na indústria têxtil. Em 1785, Edmond Cartwright inventou o tear mecânicoEm 1801, o mecânico francês Joseph Marie Jacquard sugeriu automatizar o controle de teares por meio de cartões perfurados, que no futuro seriam usados para programar computadores.  

Não só tecidos finos e estampados cobriram o mundo. Em 1779, a primeira ponte de ferro fundido foi construída por Abraham Darby III em Coalbrookdale, na Inglaterra.


Primeira ponte de ferro em Coalbrookdale, Inglaterra (Fonte: The Singing Badger).

Como uma coisa leva à outra, barcos construídos com chapas de ferro foram lançados nas águas em 1787 (e flutuaram).

No outro lado do mundo, para usufruir das ideias inovadores desenvolvidas e guardadas a sete chaves na Grã-Bretanha, os EUA passaram a oferecer recompensas aos ingleses que trouxessem aquele conhecimento para a América. O inglês Samuel Slater atendeu este chamado e impulsionou a indústria têxtil americana na década de 1790. 


Mas nem só de inovações inglesas se sustentou a Primeira Revolução Industrial. Em 1793, o recém graduado advogado americano Eli Whitney inventou o descaroçador de algodão e, com ele, o trabalho de uma pessoa rendia 50 vezes mais. Também a espionagem industrial tinha seus frutos. Em 1810, Francis Cabot Lowell visitou as fábricas de têxteis na Inglaterra, tomou notas e formou a Boston Manufacturing Company em 1812. 

De qualquer forma, a Inglaterra continuava forte e inventou a fumaça nos trilhos. Em 1804, foi construída a primeira locomotiva a vapor pelo inglês Richard Trevithick.


Réplica da primeira locomotiva de 1802 de Richard Trevithick (Fonte: M. J. Richardson).


Os EUA deram o troco e, em 1807, o americano Robert Fulton equipou seu barco de rodas de pás com o motor a vapor de James Watt. 

Na água e nos trilhos foi uma época de revolução também nos transportes, o que nos faz lembrar que acabamos chegando a uma época quando outras inovações aconteceram. 

Em meados de 1850, a indústria petrolífera se modernizou. Em 1856, o processo Bessemer para produção de aço passou a ser usado na Inglaterra. Em 1867, Alfred Nobel inventou a dinamite que foi logo adotada pela mineração. E então explodiu a Segunda Revolução Industrial... 

Mas este é o próximo assunto.

Um comentário:

Unknown disse...

Aguardo a continuação da história
Lisboa

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